Sobre a autora: Luiza Rocha, aluna do Mestrado em Direito International e Europeu da NOVA School of Law e pesquisadora associada do NOVA Centre for Business, Human Rights and the Environment
O Artigo 15 (atualmente Artigo 22) da proposta da Comissão Europeia para a Diretiva Relativa ao Dever de Diligência das Empresas em Matéria de Sustentabilidade (23 de fevereiro de 2022) dispôs que os Estados-Membros deveriam garantir que as empresas adotassem um plano de transição para mitigação climática. O plano de transição deveria garantir que o modelo de negócios e as estratégias internas das empresas fossem compatíveis com a transição para uma economia sustentável e com a limitação do aquecimento global a 1,5 °C, de acordo com o Acordo de Paris.[1]
Após a divulgação da abordagem geral do Conselho da UE sobre a legislação (30 de novembro de 2022) e a publicação das emendas do Parlamento Europeu (1º de junho de 2023), um acordo provisório sobre o texto da Diretiva logrou-se em 15 de dezembro de 2023[2], e o artigo 15 foi modificado para incorporar novos elementos e garantir a implementação dos planos de transição de mitigação climática. Por exemplo, as empresas com mais de 1.000 funcionários deveriam incluir políticas apropriadas para promover a implementação do plano por meio de incentivos financeiros aos membros dos órgãos administrativos, gerenciais ou de supervisão envolvidos, e o projeto do plano de transição deveria incluir metas com prazo determinado de redução do gás de efeito estufa de escopos 1, 2 e 3. Era previsto que acordo seria adotado pelo Parlamento e pelo Conselho no início do ano de 2024, mas a aprovação final do texto enfrentou reveses.
Devido à falta de consenso entre os Estados-Membros da UE no Conselho da UE, a votação final acabou sendo adiada várias vezes, e o texto da legislação foi alterado novamente antes de sua adoção final. O Conselho apenas adotou a legislação no dia 15 de março de 2024 e o comitê JURI do Parlamento Europeu votou o texto no dia 19 de março de 2024. A votação final do plenário do Parlamento foi realizada na sessão de 24 de abril, e o conteúdo do Artigo 15 foi movido para o Artigo 22, sendo revisado para incluir o seguinte conteúdo:
1. Adoção e implementação do plano de transição:
A versão final da Diretiva incluiu o dever das empresas de adotar o plano de transição e agir de forma eficaz para garantir a implementação deste plano. Essa obrigação foi alinhada com o Acordo de Paris e com o objetivo de alcançar a neutralidade climática, conforme estabelecido no Regulamento (UE) 2021/1119, incluindo as metas de neutralidade climática para 2050.[3]
A proposta original da Comissão havia estabelecido apenas as obrigações de adoção de um plano de mitigação. No entanto, o Parlamento[4] e o Conselho[5] propuseram, além da obrigação de adoção, a de implementação deste plano para o cumprimento do objetivo de alcançar a neutralidade climática.
Para colocar o plano de transição em prática, as empresas terão que elaborar um plano com metas de redução para o escopo 1, 2 e 3 de gases de efeito estufa, com base em evidências científicas, e dentro de um prazo determinado de cinco anos (para 2050). Quando apropriado, estas também devem apresentar metas para a redução absoluta de suas emissões. Além disso, o plano de transição terá que incluir uma descrição das alavancas de descarbonização identificadas, as principais ações a serem tomadas para atingir as metas, qual é o plano de financiamento da transição e a descrição do papel dos órgãos administrativos, de gestão e de supervisão com relação ao plano (Artigo 1a, b, c, d).[6]
Todos os planos de transição terão de ser atualizados a cada 12 meses e descrever o progresso feito para atingir as metas propostas.[7]
2. Interações entre a Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade (CSRD) e a Diretiva Relativa ao Dever de Diligência das Empresas em Matéria de Sustentabilidade da EU (CSDDD)
A Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade (CSRD) e a Diretiva Relativa ao Dever de Diligência das Empresas em Matéria de Sustentabilidade da UE (CSDDD) são inter-relacionadas e complementares. Por esse motivo, o texto final da CSDDD esclareceu que as empresas que informarem um plano de transição de acordo com a CSRD serão consideradas como tendo cumprido as exigências de adoção do plano de transição. Deve-se observar que as empresas que informam o plano de transição de acordo com a CSRD estão em conformidade apenas com a exigência de adoção de um plano de transição da CSDDD, e não com as demais exigências.[8]
3. Natureza das obrigações climáticas: Obrigações de Meios
A versão final da Diretiva explica em seus recitais que a diretiva não deve exigir que as empresas garantam, em todas as circunstâncias, que os impactos adversos nunca ocorrerão ou serão necessariamente interrompidos. A principal obrigação da Diretiva é descrita como “obrigações de meios”, e não de resultados. Desta forma, as empresas devem tomar as medidas apropriadas e capazes de atingir os objetivos do dever de diligência por meio da realização efetiva desta diligência de maneira proporcional ao grau de gravidade e à probabilidade do impacto adverso.[9]
Em relação ao plano de transição, o texto dos recitais esclarece que o plano de transição também deve ser entendido como uma obrigação de meios e não de resultados, e que, sendo uma obrigação de meios, deve-se levar em conta o progresso que as empresas fazem para satisfazer os objetivos definidos no plano de transição.[10]
4. Responsabilidade das empresas-mãe em relação ao Artigo 22
As empresas-mãe que se enquadram no escopo da Diretiva estão autorizadas a cumprir algumas das obrigações de dever de diligência em nome de suas subsidiárias que se enquadram no escopo desta Diretiva[11]. Entretanto, de acordo com oa recital[12], isso não exclui a responsabilidade da subsidiária de realizar ser dever de diligência efetivamente.
Independentemente das obrigações de devida diligência terem sido cumpridas pela empresa-mãe em nome da subsidiária ou pela própria subsidiária, a subsidiária ainda poderá ser responsabilizada se as condições para a responsabilidade civil forem atendidas e a mesma continuará sujeita ao exercício dos poderes da autoridade supervisora.[13]
Quando a empresa-mãe cumpre a obrigação de combater as mudanças climáticas em nome da subsidiária, a subsidiária deve cumprir essas obrigações de acordo com o plano de mitigação da mudança climática da empresa-mãe adaptado ao seu modelo e estratégia de negócios. Quando uma subsidiária não se enquadra no escopo da Diretiva, ela não é obrigada a realizar a devida diligência, mas a matriz deve cobrir as operações da subsidiária como parte de suas próprias obrigações de devida diligência.[14]
5. Escopo de aplicação:
A proposta original da Comissão da UE não incluía as empresas do setor de alto risco (Artigo 2 (1)b e (2)b) no escopo das obrigações do plano de transição. A implementação de um plano de transição era exigida apenas das empresas com mais de 500 funcionários e que tivessem um faturamento líquido global superior a 150 milhões de euros (Artigo 2 (1)a e 2 (2)a). Para as empresas de países terceiros, somente aquelas que gerarassem um faturamento líquido de mais de 150 milhões de euros na União estavam sujeitas à obrigação do artigo 15[15].
A abordagem geral do Conselho da UE sobre o texto seguiu a proposta da Comissão[16], mas o Parlamento Europeu propôs a extensão das obrigações estabelecidas à todas as empresas mencionadas no artigo 2 (incluindo o setor de alto risco)[17]. No acordo provisório de dezembro de 2023, foi decidido que as empresas do setor de alto risco (artigo 2, (2, b)) ficariam de fora do escopo de aplicação do artigo 15[18].
Na versão final da Diretiva, entretanto, o escopo de aplicação do Artigo 15 (agora artigo 22) mudou significativamente. O escopo do artigo foi alterado para incluir empresas da UE com um mínimo de 1.000 funcionários e um faturamento líquido de 450 milhões de euros, de acordo com os novos critérios definidos no artigo 2(1),a,b,ba, e no artigo 2(2)a,b,ba, que acabou por alterar o escopo de toda a legislação e seus artigos correspondentes.
O artigo 2 alterou o tamanho das empresas sujeitas às obrigações de dever de diligência de 500 para 1000 funcionários e mudou o limite de receita bruta dessas empresas de mais de 150 milhões de euros para mais de 450 milhões de euros. Portanto, o Artigo 22 agora aplicará os novos critérios definidos nos artigos 2(1)a,b,ba e 2(2)a,b,ba. Além disso, o texto final removeu a classificação de alto risco de indústrias ou setores do artigo 2. Por consequência, o Artigo 22 não terá como alvo setores específicos, ao contrário do que foi sugerido pelo Parlamento, e tampouco quaisquer outras disposições que classificaram diferentes tipos de obrigações para empresas que operam no setor de alto risco.
Texto adotado:
Artigo 22
Combate às mudanças climáticas
1. Os Estados-Membros devem assegurar que as empresas referidas no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a), b) e (ba), e no artigo 2(2), alíneas (a), (b) e (ba), adotem e ponham em prática um plano de transição para a mitigação das mudanças climáticas que vise garantir, por meio de melhores esforços, que o modelo de negócios e a estratégia da empresa sejam compatíveis com a transição para uma economia sustentável e com a limitação do aquecimento global a 1. 5 °C, em conformidade com o Acordo de Paris e o objetivo de alcançar a neutralidade climática, conforme estabelecido no Regulamento (UE) 2021/1119, incluindo suas metas intermediárias e de neutralidade climática para 2050 e, quando relevante, a exposição da empresa a atividades relacionadas a carvão, petróleo e gás.
O projeto do plano de transição referido no primeiro parágrafo deve conter:
(a) metas com prazo determinado relacionadas à mudança climática para 2030 e em etapas de cinco anos até 2050, com base em evidências científicas conclusivas e incluindo, quando apropriado, metas absolutas de redução de emissões de gases de efeito estufa para emissões de gases de efeito estufa de escopo 1, escopo 2 e escopo 3 para cada categoria significativa;
(b) uma descrição das alavancas de descarbonização identificadas e das principais ações planejadas para atingir as metas mencionadas na alínea (a), incluindo, quando apropriado, mudanças no portfólio de produtos e serviços da empresa e a adoção de novas tecnologias;
(c) uma explicação e uma quantificação dos investimentos e do financiamento que apóiam a implementação do plano de ação.
(d) uma descrição da função dos órgãos administrativos, gerenciais e de supervisão com relação ao plano.
2. Considera-se que as empresas que comunicarem um plano de transição para a mitigação das alterações climáticas em conformidade com o artigo 19.º-A, 29.º-A ou 40.º-A, consoante o caso, da Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho cumpriram a obrigação de adoção prevista no n.º 1 do presente artigo. Considera-se que as empresas incluídas no plano de transição para mitigação das mudanças climáticas de sua empresa controladora, relatadas de acordo com o Artigo 29a ou 40a, conforme o caso, da Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, cumpriram a obrigação de adoção estabelecida no parágrafo 1 deste artigo.
3. Os Estados-Membros garantirão que o plano de transição referido no parágrafo 1 seja atualizado a cada 12 meses e contenha uma descrição dos progressos realizados pela empresa para atingir as metas referidas no parágrafo 1, alínea (a).[19]
[1]EU Commission, Proposal for a Directive of the European Parliament and of the Council on Corporate Sustainability Due Diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 (COM/2022/71 final), Article 15, 2022, available at: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A52022PC0071
[2]Provisional Agreement, Proposal for a DIRECTIVE OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on Corporate Sustainability Due Diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 (Text with EEA relevance) 2022/0051(COD), Article 15 (1), 15-12-2023 at 17h15 166/234.
[3]EUROPEAN PARLIAMENT AND COUNCIL OF THE EU, AMENDMENTS BY THE EUROPEAN PARLIAMENT to the Commission proposal of the DIRECTIVE (EU) 2024/…OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on corporate sustainability due diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 and Regulation (EU) 2023/2859. Article 22. 2024. Available at: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-9-2023-0184-AM-430-430_EN.pdf
[4]European Parliament, Amendments adopted by the European Parliament on 1 June 2023 on the proposal for a directive of the European Parliament and of the Council on Corporate Sustainability Due Diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 (COM(2022)0071 – C9-0050/2022 – 2022/0051(COD)), Amendments 247 to 256, 2023, available at: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2023-0209_EN.html
[5]Council of the EU, Proposal for a DIRECTIVE OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on Corporate Sustainability Due Diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 – General Approach, Article 15, 2022, available at: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15024-2022-REV-1/en/pdf
[6]EUROPEAN PARLIAMENT AND COUNCIL OF THE EU, AMENDMENTS BY THE EUROPEAN PARLIAMENT to the Commission proposal of the DIRECTIVE (EU) 2024/…OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on corporate sustainability due diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 and Regulation (EU) 2023/2859. Article 22. 2024. Available at: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-9-2023-0184-AM-430-430_EN.pdf
[7]Ibid.
[8]Ibid. Article 22 (3).
[9]EUROPEAN PARLIAMENT AND COUNCIL OF THE EU, AMENDMENTS BY THE EUROPEAN PARLIAMENT to the Commission proposal of the DIRECTIVE (EU) 2024/…OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on corporate sustainability due diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 and Regulation (EU) 2023/2859. Article 22. 2024. Available at: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-9-2023-0184-AM-430-430_EN.pdf
[10]Ibid. Recitals (73).
[11]Ibid. Recitals (21).
[12]Ibid. Recitals(22).
[13]Ibid.
[14]Ibid.
[15]EU Commission, Proposal for a Directive of the European Parliament and of the Council on Corporate Sustainability Due Diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 (COM/2022/71 final), Article 15, 2022, available at: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-6145-2024-INIT/en/pdf
[16]Council of the EU, Proposal for a DIRECTIVE OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on Corporate Sustainability Due Diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 – General Approach, Article 15, 2022, available at: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15024-2022-REV-1/en/pdf
[17]European Parliament, Amendments adopted by the European Parliament on 1 June 2023 on the proposal for a directive of the European Parliament and of the Council on Corporate Sustainability Due Diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 (COM(2022)0071 – C9-0050/2022 – 2022/0051(COD)), Amendment 247, 2023, available at: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2023-0209_EN.html
[18]Provisional Agreement, Proposal for a DIRECTIVE OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on Corporate Sustainability Due Diligence and amending Directive (EU) 2019/1937 (Text with EEA relevance) 2022/0051(COD), Article 15 (1), 15-12-2023 at 17h15 166/234.
[19]DeepL Translate, Deepl SE foi utilizado para a reformulação de passagens do artigo original (versão em inglês) e para a tradução da letra da lei. Disponível em: https://www.deepl.com/translator
Suggested citation: L. Rocha, ‘Diretiva Relativa ao Dever de Diligência das Empresas em Matéria de Sustentabilidade da UE – Artigo 22: Combate às Mudanças Climáticas’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 30 de Abril 2024