Este blog post é baseado na intervenção de Isabel Cabrita no webinário Empresas e Direitos Humanos em Portugal organizado no âmbito da Primeira Conferência Anual doNova Centre on Business, Human Rights and the Environment com o apoio da PLMJ, Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, CEDIS, e a NOVA 4 The Globe no dia 25 de Novembro 2021.
Sobre a autora: Isabel Cabrita é Professora no ISCSP e investigadora no Centro de Administração e Políticas Públicas(CAPP) do ISCSP, da Universidade de Lisboa. O seu principal interesse em investigação são os direitos humanos. É doutorada em Ciências Sociais (Relações Internacionais) (ISCSP da Universidade de Lisboa, 2015), Mestre em Relações Internacionais (ISCSP, 2010) e Licenciada em Direito (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1988).
Sente que à luz do inquérito que conduziu e dos resultados que viu, podemos concluir algo de muito concreto sobre as práticas empresariais em relação aos Direitos Humanos em Portugal? Existem, não existem, são incipientes? Qual é o nosso retrato neste momento?
Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma breve apresentação do Primeiro Inquérito Nacional sobre Conduta Empresarial Responsável e Direitos Humanos. Este Inquérito resultou de uma iniciativa conjunta da equipa de investigação do Projeto Empresas e Direitos Humanos do CAPP, ISCSP, Universidade de Lisboa e da Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE) e foi realizado em 2018. O Inquérito foi criado com base na Proposta do Plano Nacional de Ação para a Conduta Empresarial Responsável e Direitos Humanos (2017-2020) e no novo enquadramento jurídico europeu e nacional que determinou que as empresas de interesse público devem apresentar desde o dia 1 de Janeiro de 2017 uma demonstração não financeira, que deve incluir, entre outras, informações relativas ao respeito de direitos humanos. Quanto à amostra foi constituída por 170 empresas com respostas completas, distribuídas por 11 setores económicos de acordo com o respetivo Código de Atividade Económica (CAE). Os setores mais representados foram a indústria transformadora (29%), o comércio a grosso e a retalho (24%) e a construção (21%). Destas 170 empresas, 89% eram micro, pequenas e médias empresas (PMEs), isto é, empresas com menos de 250 empregados e 11% eram grandes empresas (empresas com mais de 250 empregados). Isto significa que a amostra corresponde ao tecido empresarial português, que é constituído na sua esmagadora maioria por PMEs.Há ainda a salientar que 79% das empresas exerciam a sua atividade apenas em Portugal, 10% em até 5 países e 11% em mais de 5 países. Em relação aos objetivos do inquérito na área dos direitos humanos, pretendíamos coligir informação nacional sobre a perceção das empresas domiciliadas no território português ou sob a jurisdição portuguesa em três matérias:
1- Consciencialização do enquadramento internacional em matéria de empresas e direitos humanos (incluindo os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre as Empresas e Direitos Humanos);
2- Práticas das empresas em matéria de respeito pelos direitos humanos;
3- Papel do Estado português na promoção e garantia de um ambiente que permita uma conduta empresarial responsável em matéria de direitos humanos.
No que diz respeito ao primeiro objetivo, verificámos um nível baixo de consciencialização, menos de metade das empresas (47% ), demonstraram conhecer os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. Quanto ao segundo objetivo, a perceção das empresas relativamente às práticas empresariais em matéria de direitos humanos, as empresas foram questionadas sobre as práticas relativas ao compromisso público em matéria de direitos humanos, processos de diligência devida em matéria de direitos humanos, políticas específicas que abordem questões relevantes dos direitos humanos, mecanismos de reparação dos prejuízos, processos de fiscalização do respetivo desempenho em matéria de direitos humanos, processos de controlo do cumprimento de normas internacionais sobre direitos humanos onde quer que operem para garantir que não estão envolvidas em violações graves dos direitos humanos e práticas de cooperação com autoridades nacionais e internacionais na promoção de novas políticas e práticas em direitos humanos. Os resultados foram bastante decepcionantes, a média global das práticas das empresas em matéria de direitos humanos foi muito baixa (23%). No respeitante aos processos de diligência devida, menos de 1 empresa em 5, portanto apenas 17% das empresas tinham processos em curso de diligência devida. O pior resultado de todos foi o facto de a maioria das empresas (89%), independentemente da sua dimensão, pensar que não está a cooperar com as autoridades nacionais e internacionais na promoção de novas políticas e práticas em matéria de direitos humanos.
Percecionou uma diferença nas condutas empresariais entre as PMEs e as grandes empresas?
Verificámos grandes diferenças entre as práticas das grandes empresas e das PMEs. Em relação à consciencialização a respeito dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos responderam SIM 84,60% das grandes empresas, 60% das médias empresas responderam, 44, 10% das pequenas empresas
e 28,30% das micro-empresas. Pode-se afirmar que existe uma diferença significativa entre as grandes empresas e as pequenas e micro-empresas, principalmente. Ao nível dos processos da diligência devida, as grandes empresas, mais de metade(56%), declararam ter processos em curso para prevenir e mitigar os atuais e potenciais impactos negativos nos direitos humanos em que possam estar envolvidas através das suas atividades ou como resultado das suas relações de negócios. Ao nível das PMEs, os resultados são muito baixos, apenas 12% das micro e das pequenas empresas e 15% das médias empresas têm processos em curso.
O que terá acontecido no tempo da pandemia, nas questões relacionadas com os direitos humanos e com os direitos dos trabalhadores em teletrabalho?
Em relação a essa matéria não houve nenhum questionário.A minha sensibilidade sobre o assunto decorre das notícias e da nova proposta de regime jurídico para o teletrabalho. Atrevo-me a dizer que, atualmente, existe efetivamente uma maior consciência, tanto por parte das empresas como dos trabalhadores, em relação a algumas questões de direitos humanos. Na minha opinião, pode-se dizer que há uma maior consciência ao nível dos direitos das mulheres, porque está mais do que provado que as mulheres, principalmente as mulheres com filhos, foram as mais afetadas pela pandemia ao nível dos seus direitos.Com efeito, durante a pandemia as mulheres passaram a despender mais tempo com as responsabilidades da casa e filhos e têm reivindicado uma maior igualdade entre homens e mulheres, situação que se veio a refletir-se no novo regime jurídico do teletrabalho, que estabelece que os pais de crianças até 8 anos de idade vão poder optar pelo regime de teletrabalho, que já não é recomendado. Por outro lado, ao nível do trabalho em geral, a pandemia levou a uma maior consciencialização da necessidade de respeitar os limites do período normal de trabalho, porque se verificaram muitas violações em matéria de duração do trabalho, os trabalhadores eram contactados a toda a hora. Nesta matéria, tudo aponta para o facto de as pessoas se terem apercebido que se trata de uma questão de direitos humanos, fundamentalmente do direito ao lazer e do direito à conciliação entre a vida pessoal e profissional, e não uma mera violação da legislação do trabalho. Por último, o teletrabalho levantou outras questões de desigualdade no acesso a equipamentos de trabalho e de comunicação.
Citação sugerida: I. Cabrita, ‘Algumas reflexões sobre o Primeiro Inquérito Nacional sobre Conduta Empresarial Responsável e Direitos Humanos’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 7 de Fevereiro 2022.