Este blog post é baseado na intervenção de Filipa Pires de Almeida no webinário Empresas e Direitos Humanos em Portugal organizado no âmbito da Primeira Conferência Anual do Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment com o apoio da PLMJ, Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, CEDIS, e a NOVA 4 The Globe no dia 25 de Novembro 2021.
About the author: Filipa Pires de Almeida é Deputy Director do CRB na CATÓLICA-LISBON, e investiga na área de estratégia e negócios internacionais, nomeadamente como as empresas devem abraçar estratégias sustentáveis para desenvolverem vantagem competitiva, com foco nos ODS. Possui 13 anos de experiência, dos quais 10 de investigação e 7 de ensino. É Professora de formação executiva e está a desenvolver o seu Doutoramento na Rotterdam School of Management em Estratégia e Sustentabilidade focada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como vantagem estratégica para as empresas. Filipa é licenciada em Economia, possui Mestrado em Gestão, Estratégia e Empreendedorismo, e completou em 2019 o curso executivo Shared Value na Harvard Business School com os professores Michael Porter e Mark Kramer. Foi formadora e mentora de negócios sociais, tendo sido Community Manager e Business Developer na IES-Social Business School. Desempenhou funções como Conselheira de Política Económica e Monetária no Parlamento Europeu, tendo ainda exercido atividade profissional na Deloitte Consulting.
Qual pode ser a forma de invertermos a fotografia que temos atualmente para termos um business case da adoção de práticas sustentáveis pelas empresas?
É importante partirmos de conceitos e é importante entendermos o que é a sustentabilidade. No Center for Responsible Business and Leadership vemos a sustentabilidade sempre no seu sentido holístico que engloba a dimensão económica, social e ambiental. Esta visão tripartida do conceito de sustentabilidade nunca a podemos dividir, e o erro das práticas empresariais é por vezes focaram-se num dos pontos da pirâmide e procurarem o proveito económico, esquecendo-se do social e ambiental.
O que acontece é que no longo prazo acaba por não ser sustentável, portanto, a pergunta que as empresas têm de se colocar hoje em dia é se é possível para uma empresa criar lucro no médio longo prazo, se não tiver em conta os fatores sociais e ambientais? E a resposta, do meu ponto de vista, é não.
No curto prazo é muito fácil para uma empresa, num espaço de 3 meses, 1 ano,5 anos até conseguir criar lucro acionista, sem gerar valor social ou ambiental. Aliás isto foi o pensamento da gestão e do pensamento da economia nos últimos 50 anos. Milton Friedman, prémio nobel da economia, escreveu um artigo no New York Times em que dizia que a única responsabilidade social das empresas é aumentar os seus lucros. Porém, vai ser impossível para as empresas no médio /longo prazo geraram lucro se não forem socialmente responsáveis, e isto é o que é mais interessante explorarmos.
O pensamento de Milton Friedman do lucro rápido para a criação de valor para os acionistas foi o que conduziu, desde os anos 70, as empresas e trouxe-nos ao que nós temos hoje em dia: um crescimento económico exponencial em que as empresas produzem lucro muitas vezes sem atenderem de uma forma cuidado ao impacto social e ambiental das suas ações. Neste sentido, estamos ao dia de hoje, com a COP 26 em que temos um mundo em colisão com riscos ambientais gravíssimos. Se não fizermos nada nos próximos 20, 30 anos não estaremos cá para contar a história e este é um tema extremamente importante. A verdade é que as empresas já não conseguem fogem ao tema ambiental.
Os direitos humanos tocam quer no tema social quer no tema ambiental. Há uma organização que é a OXFAM do Reino Unido que todos os anos nos lança dados novos sobre estas questões das desigualdades no mundo, sabemos que há menos pessoas em extrema pobreza no mundo hoje do que havia há 100 anos atrás. No entanto, a verdade é que a desigualdade económica tem vindo a aumentar cada vez mais. Em 2019 tínhamos apenas 26 pessoas no mundo que detinham mais de metade da riqueza mundial, e isto é uma desigualdade enorme e põe em causa alguns direitos humanos, quando vemos que há pessoas que não têm acesso aos bens e serviços que constituem as suas necessidades básicas, sabendo nós que estamos num mundo em que a tecnologia e os recursos nos permitem acabar com esta desigualdade alguma coisa poderá não estar bem. A crise do Covid-19 exponenciou alguns destes problemas, quer ambientais, quer sociais. Temos com a crise de Covid-19 mais 100 milhões de pessoas em pobreza no mundo. Em 2019 tínhamos 800 milhões que aumentou agora para 900 milhões com a crise. Este problema da desigualdade e ambiental estão extremamente relacionados porque sabemos que as pessoas mais ricas são as que poluem mais, cerca de 1% da população mais rica contribui para mais de metade da poluição do que os 3 biliões que estão na base da pirâmide e estes são dados muito importante que nos mostram isto. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) também mostram como estes temas se tocam e como o social, ambiental e económico estão interrelacionados.
Há um documentário de um dos cientistas que tratam as questões da emergência climática (Johan Rockström), em que explica muito bem que há nove barreiras planetárias que não podemos ultrapassar. Caso contrário temos um risco real de colapso do planeta terra. Ele explica que 4 dessas barreiras já foram ultrapassadas e que se não fizermos nada até 2050 não saberemos quais as consequências para o mundo em que vivemos. Isto para o mundo empresarial é fundamental porque ou as empresas mudam rapidamente o seu comportamento e percebem que têm de contribuir para esta agenda ambiental, social e dos direitos humanos ou não terão prosperidade nem gerarão lucro. As empresas representam 75% do PIB Mundial portanto também não é realista que vamos chegar lá sem as empresas e isto no fundo é um trabalho que beneficia todos. Dizem que em Economia não há win win situations, mas este é um caso em que temos todos de cooperar e o mundo empresarial percebe isto. Desde 2018 que percebemos que esta mudança é real. Em 2018 o CEO do maior gestor de ativos do mundo, que é a BlackRock, que representa o PIB de duas Alemanha, Larry Fink veio dizer precisamente que para as empresas prosperarem a longo prazo precisam de ter uma contribuição para a sociedade que vá para além da performance financeira. Em 2019 o Business Roundtable, que reúne as maiores empresas norte-americanas, também nos veio dizer isto: que chegou o fim da era do lucro acionista e que há que evoluirmos para uma criação de valor que sirva todos os stakeholders, todas as partes interessadas das empresas.
Uns meses depois o Fórum Económico em Davos recuperou o Davos Manifesto de 1973 em que se dizia precisamente isto, que as empresas servem para servir a sociedade e todos os acionistas. Isto é quase um período de “realização coletiva” de que o capitalismo é um sistema económico bom que gera prosperidade, mas que nos últimos 50 anos andou alguma coisa a falhar e esta coisa foi a atenção para a parte social e ambiental na qual as empresas não se focaram. Do ponto de vista do mercado de investimentos, da captação de talentos (de como vão manter a geração Z e Millenials) e se quiserem ter em atenção o mercado de consumo, as tendências que vemos é que as empresas que não olharem para os fatores sociais, ambientais não vão ter oportunidade de operar nos mercados no futuro.
Como sensibilizar mais as empresas?
Eu acho que nós estamos numa fase de vivência social e humana em que tudo o que for possível fazer para que as empresas possam ir mais longe, é necessário que se ponha em prática. Há temas em que a legislação tem de existir, há temas que as empresas não vão dar o passo de uma forma voluntária.
Sobre o que a Assunção estava perguntou quanto ao que tinha acontecido com o Covid: sabemos que nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), quase todos regrediram com a pandemia, a igualdade de género, as igualdades sociais, a pobreza, quase todos os ODS regrediram. O que nós vemos é que em 2019 e agora em 2021 fez-se um balanço do cumprimento dos ODS no mundo e António Guterres veio-nos dizer que não etsamos a evoluir o suficiente. Isto acontece porque os ODS são ainda softlaw.
É uma agenda virada para todos: Estados, empresas, cidadãos. E as empresas só vão cumprir quando isto der lucro efetivo e, portanto, não é só importante que o business case seja claro. Mas que a lei venha dar um empurrão. Nós sabemos que todos os anos morrem no mundo 7 milhões de pessoas por causa das alterações climáticas e isto toca o direito à vida. Por isso é tão importante nós trazermos as empresas para a mesa, sejam as grandes sejam as PMEs. Eu dei o dado no início de que 75% do PIB Mundial são empresas e das 100 maiores economias, 69 são empresas, e não países. Portanto não vamos conseguir cumprir com direitos humanos e trazer prosperidade social se as empresas não tiverem a trabalhar de uma forma central nesta agenda.
Não é o Estado que tem de agir sempre, saiu o ano passado o Edelman Trust Barometer em que de todos os inquiridos, 86% concordam que os CEOS e as empresas devem tomar a dianteira da ação sobre os problemas sociais e ambientais mais graves. Estamos a ver aqui uma mudança na própria opinião pública que começa a desacreditar o papel do Estado no cumprimento seja dos direitos humanos, seja dos temas sociais e ambientais e começam a pedir isto às empresas. Quanto à Geração Z, quando são empregues por novas empresas, 90% consideram que eram as empresas devem contribuir para as questões sociais e ambientais.
Citação sugerida: F. Pires de Almeida, ‘Adoção de práticas sustentáveis pelas empresas’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 15 de Fevereiro 2022.