🇵🇹 Uma empresa com 12.000 pessoas trabalhadoras não tem só responsabilidade social, tem a responsabilidade de ser um exemplo para, pelo menos, 12.000 pessoas trabalhadoras

Este blog post é baseado na intervenção de Mónica Canário no webinar O novo contrato social: Como podemos não deixar ninguém para trás, que decorreu no dia 12 de maio de 2022 e integrou a série de webinars Sustainability Talks organizado pelo Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment.

 

Sobre a autora: Mónica Canário é licenciada em Ciência Política pelo ISCTE-IUL, tendo frequentado a Freie Universität Berlin (Alemanha) durante a mobilidade Erasmus, e possui um mestrado em Estudos Internacionais (especialização em Médio Oriente e Norte de África) da mesma instituição, com uma dissertação sobre “O impacto da Primavera Árabe sobre o estatuto social e político das mulheres na Tunísia” (2016). Tem também três especializações do ISCTE-IUL: Refugiados, Direitos Humanos e Acolhimento (2016), A Ideia da Europa (2017) e O Médio Oriente na Política Mundial (2017). Foi o coordenador nacional da HeForShe Portugal entre 2016 e 2019. Atualmente, é assistente de investigação no Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL) e está a frequentar um doutoramento em Ciência Política (especialização em Relações Internacionais) onde está a desenvolver a tese “A europeização como instrumento para a integração do género na Política Europeia de Vizinhança: Os casos de Marrocos e da Tunísia”. É ainda Gestora de Projetos na Associação Portuguesa para a Diversidade e Inclusão (APPDI).

 

 

No caso da APPDI – Associação Portuguesa para a Diversidade e a Inclusão – nós trabalhamos com um público muito específico, as entidades empregadoras. Neste momento, temos 385 entidades envolvidas nas nossas atividades, que são subscritoras da Carta Portuguesa para a Diversidade. E isso faz com que as nossas entidades parceiras, o nosso nicho, seja mais atento e tenha uma maior sensibilidade para as temáticas ligadas à diversidade e inclusão (D&I), ou seja, a questões de género, LGBTI+, etárias, étnico-raciais e por aí fora. Quando a pandemia chegou o nosso principal foco era tentar garantir que, dentro do contexto laboral, as desigualdades não iam ser maiores do que aquelas que já existiam. Havia políticas e práticas que já estavam implementadas em determinadas organizações e a nossa preocupação era continuar a dar visibilidade a estas políticas e práticas em prol da diversidade e inclusão para que outras entidades também seguissem o exemplo. A nossa perspetiva foi que as coisas correram mais ou menos bem. Conseguimos, através do digital, chegar a mais entidades, por exemplo. E com isso, explicar melhor a importância de ter uma maior atenção para as temáticas de D&I dentro do local de trabalho e como, ao trabalharmos isto dentro do local de trabalho, podemos exportar também para a vida pessoal das pessoas. Por exemplo, se uma entidade empregadora der uma formação sobre questões étnico-raciais aos seus trabalhadores e trabalhadoras, isto faz com que, possivelmente, estas pessoas levem esta temática para casa. É visível que existe todo um trabalho que é feito indiretamente dentro de empresas para formar as pessoas que compõem a sociedade portuguesa e isso é muito importante.

 

Sabemos que a pandemia veio agravar todas as desigualdades sociais que já existiam. Por exemplo, vejamos o caso das mulheres, que são as principais cuidadoras e as primeiras a largar o trabalho, quando necessário, para cuidar de familiares, sejam eles diretos, vivendo na própria casa ou não. Também houve outros públicos que foram muito afetados, como é a questão das pessoas LGBTI+ e, mais especificamente, os jovens que viviam com as suas famílias onde já havia alguma tensão. O confinamento veio agravar todas essas situações, como a questão da violência doméstica e por aí fora.

 

No período pós-pandémico, o que nós temos visto em termos de desafios é, entre outras coisas, o teletrabalho: a questão dos boundaries e do direito a desligar. Temos assistido que algumas entidades empregadoras ainda não confiam a 100% nos seus trabalhadores e trabalhadoras no que diz respeito a estarem a trabalhar a partir de casa. Portanto, ainda há muito da mentalidade de que estar em casa significa que as pessoas não estão a produzir e isso não é verdade. Posso dizer que a minha opinião é baseada na minha experiência: se estivesse no escritório não seria tão produtiva como sou em casa. E acabo por ter uma maior conciliação pessoal e profissional, o que é algo que valorizo muito. Na APPDI funciona assim para todas as pessoas: nós sentimos que somos mais produtivos em casa, independentemente de termos as nossas reuniões presenciais ou uma tarde em que estamos só os três a trabalhar presencialmente ou com quem estiver também connosco. Acaba por ser um momento de reunião e teambuilding. Esta é a nossa realidade, percebemos que somos mais produtivos em casa, que conseguimos conciliar melhor também a nossa vida pessoal e profissional e isso faz toda a diferença, porque a partir do momento em que há uma maior conciliação, há também mais saúde física e mental. Durante 2 anos e pouco, as pessoas ganharam um ritmo que está agora a ser-lhes retirado, tendo de mudar algumas dinâmicas familiares que já tinham por estarem habituadas ao teletrabalho. O regresso ao escritório a 100% ou o regime híbrido com mais dias presenciais do que o esperado acaba por ser mais difícil de gerir. A partir do momento em que se conhece o teletrabalho e se criam os tais boundaries, é muito difícil voltar atrás e alguém vai ter que ceder. Não sei se serão os trabalhadores e as trabalhadoras ou as empresas. Mas alguém vai ter que ceder ou então chegar a um espaço que seja comum e bom para todos e todas.

 

Como é que podemos voltar a colocar estas pessoas, por exemplo, as mulheres, as pessoas negras, as comunidades indígenas, a comunidade LGBT, no centro do diálogo, no contexto do novo contrato social?

 

Um dos principais pontos que nós trabalhamos é a sensibilização e informação, porque acreditamos que o principal motivo para haver discriminação é o desconhecimento, o não compreender e o não saber. Idealmente, quando não conhecemos nem compreendemos, deveríamos sentar-nos à mesa com as pessoas que não compreendemos ou desconhecemos e perceber o outro lado. Há tantos outros lados que não vale a pena fazer uma barricada e criar apenas um “nós” e um “eles”. Na verdade, idealmente estaríamos todos e todas dispostos num círculo, sem lados. E nesse sentido que vai o trabalho da APPDI, formar sempre ao nível das entidades empregadoras e tentar que isso chegue às pessoas, a título individual. Formar e sensibilizar são a chave, tanto formações mais privadas e direcionadas a determinada empresa, como webinarsworkshops e outros eventos abertos ao público em geral. Tentamos sempre trazer as temáticas que estão na ordem do dia para cima da mesa para serem debatidas. Por exemplo, tendo em conta que o Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação foi aprovado no ano passado, achámos que seria importante este ano essa ser a temática do fórum anual que fazemos. Ultimamente também temos trabalhado muito questões relacionadas com pessoas com deficiência, porque em 2023 vai entrar em vigor uma lei das quotas especificamente para esta população (Lei n.º 4/2019) nas empresas e já começa a haver uma preocupação por parte das organizações nesse sentido, de perceber o que é que podem fazer e como é que podem fazer. E, muitas vezes, as organizações querem perceber até onde vai a lei e até onde é que têm que cumprir. Porque não existem políticas de diversidade e inclusão concretas em Portugal, o que existem são políticas orientadas para determinados grupos que são considerados vulneráveis. E isso também tem sido um ponto fraco apontado por entidades de economia social que trabalham connosco. Ao nível legislativo, em Portugal, tem-se trabalhado estes assuntos em separado e não tendo por base o conceito de interseccionalidade. Teríamos muito mais benefícios em trabalhar todas estas temáticas da D&I de forma interseccional do que em separado. E enquanto isso não vier para cima da mesa, nós não vamos conseguir, se calhar ter uma maior cooperação, por exemplo, entre as organizações da sociedade civil. Precisamos urgentemente de políticas de diversidade e de inclusão concretas e que unam todas estas dimensões que compõem a diversidade. A diversidade é algo que nós não controlamos e isso é ótimo! Ela existe por si só e eu dou sempre o exemplo das árvores. Existem milhões de espécies de árvores e nós nunca vamos conseguir controlá-las. E as pessoas são exatamente a mesma coisa – nós existimos por si só e a diversidade é o único dos 4 pilares (diversidade, inclusão, pertença e equidade) que nós não controlamos. Todos os outros 3 podem ser trabalhados e podemos fazer melhor ou pior. Usando a formação/sensibilização para passar conhecimento e fazendo lobbying também dentro das organizações certas, no sentido de promover políticas D&I, diria que só assim é que vamos conseguir ter resultados. Por muito que a sociedade civil trabalhe em prol de determinadas questões sociais, se não for levado a discussão, se não se desmistificar determinados conceitos, seja através da comunicação social, seja através de fóruns de debate, de webinars, de encontros, tertúlias, então não chega o que nós [APPDI e outras associações] fazemos no dia-a-dia, não é suficiente.

 

Quais os tópicos a não esquecer no contexto do novo contrato social, ou seja, o que é que lhes parece mais importante no contexto deste novo contrato social?

 

As empresas estão orientadas para o lucro e ponto final. Não estão preparadas, em Portugal, para trabalhar em algo que não lhes vai dar lucro a curto prazo, nem a médio/longo. O que procuramos explicar é que a D&I é uma questão ética, moral e que a, longo prazo, será uma questão também de representação e de reputação. Poderão liderar pelo exemplo ou vir atrás do prejuízo. São muito poucas as empresas que estão sempre comprometidas, preocupadas realmente em deixar o mundo um bocadinho melhor do que do que quando começaram. E isso faz todo o sentido. Imaginemos, por exemplo, uma empresa com 12.000 trabalhadores. Essa empresa tem uma responsabilidade, não só uma responsabilidade social, tem uma responsabilidade de ser um exemplo para pelo menos 12.000 pessoas trabalhadoras.

É realmente preciso começar a ter políticas orientadas para uma boa educação. Ainda existe uma discrepância muito grande entre tipos de migrantes, em vez de trabalharmos todos como um “bolo” só e tentar integrar todas as pessoas da melhor forma, sem nunca anular as suas origens, cultura e língua, porque tudo isso faz parte da diversidade e tudo isso é importante. Mas existem ainda algumas lacunas no que diz respeito à integração de pessoas em Portugal, seja no local de trabalho ou na sociedade.

 

 

Citação Sugerida: M. Canário, ‘Uma empresa com 12.000 pessoas trabalhadoras não tem só responsabilidade social, tem a responsabilidade de ser um exemplo para, pelo menos, 12.000 pessoas trabalhadoras’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 08th September 2022.