đŸ‡”đŸ‡č A proposta de lei AlemĂŁ sobre devida diligĂȘncia nas cadeias de abastecimento

Sobre a autora: Rafaela Oliveira é licenciada em Direito pela Universidade de Lisboa e é atualmente aluna no mestrado em Direito e Gestão na NOVA School of Law. A Rafaela foi membro do grupo da Amnistia Internacional na sua escola secundåria o que lhe conferiu perspetiva acerca dos problemas de Direitos Humanos. As suas åreas de interesse são Direiros Humanos, Sustentabilidade e como combinar os dois no mundo dos negócios.

 

Introdução

No passado dia 3 de março, o governo alemĂŁo apresentou um projeto de lei que visa regular o dever de diligĂȘncia devida nas empresas em matĂ©ria de direitos humanos e ambiente. Foi o culminar de um longo processo que ficou marcado pelas divergĂȘncias dentro do prĂłprio Governo. Foi em dezembro de 2019 que o Ministro do Trabalho, Hubertus Heil, e o Ministro do Desenvolvimento, Gerd MĂŒller, anunciaram a sua intenção de preparar uma lei sobre o dever de diligĂȘncia. Os trabalhos foram sendo atrasados e as propostas refreadas pela ação do MinistĂ©rio da Economia, que discordava principalmente no tema da responsabilidade civil das empresas em caso de falha nas suas obrigaçÔes.

A proposta aproveita a dinĂąmica favorĂĄvel na Europa em matĂ©ria de devida diligĂȘncia, apĂłs surgirem algumas legislaçÔes nacionais e com o anĂșncio do desenvolvimento de uma nova diretiva sobre tema.

O principal objetivo desta lei Ă© o de obrigar as empresas alemĂŁs a realizarem processos de devida diligĂȘncia como os definidos pelos PrincĂ­pios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das NaçÔes Unidas (UNGPs) nas suas operaçÔes e, em certa medida, nas suas relaçÔes comerciais, de modo a prevenir violaçÔes de direitos humanos.

 

Antecedentes

AtĂ© agora, a estratĂ©gia do governo alemĂŁo tinha como base o compromisso voluntĂĄrio das empresas. De acordo com o seu Plano de Ação Nacional, o objetivo era que 50% das empresas com mais de 500 empregados introduzissem mecanismos de devida diligĂȘncia nos seus negĂłcios atĂ© 2020. Se tal nĂŁo acontecesse, o governo consideraria a introdução de uma lei sobre o tema. Dois questionĂĄrios recentes revelaram que o objetivo nĂŁo tinha sido atingido – das 455 empresas validamente questionadas, menos de 20% tinha mecanismos efetivos de devida diligĂȘncia em curso (1). Foi este o gatilho necessĂĄrio Ă  introdução de uma nova lei sobre devida diligĂȘncia obrigatĂłria.

 

A proposta de lei

Caso a proposta seja aceite no Parlamento, serĂĄ aplicada (1) a partir de 2023 a todas as empresas com sede ou local principal de negĂłcio na Alemanha e com, no mĂ­nimo, trĂȘs mil empregados; (2) a partir de 2024 a todas as empresas nas mesmas condiçÔes, mas com pelo menos mil empregados. SerĂŁo incluĂ­dos na contagem os trabalhadores das subsidiĂĄrias. Ao contrĂĄrio da lei holandesa sobre devida diligĂȘncia em matĂ©ria de trabalho infantil, esta proposta nĂŁo abrange empresas estrangeiras cujo local principal de negĂłcios nĂŁo seja na Alemanha.

A obrigação da empresa de realizar devida diligĂȘncia incluĂ­ nĂŁo sĂł a sua prĂłpria atividade como aquela dos seus fornecedores diretos. Em relação aos fornecedores indiretos, nĂŁo serĂĄ exigido qualquer dever de diligĂȘncia, a nĂŁo ser no caso em que a empresa tenha conhecimento e prova de que estĂŁo a ser cometidas violaçÔes aos direitos humanos pelo comportamento desse fornecedor ou ainda caso a empresa introduza novos produtos, projetos ou ĂĄreas de negĂłcio na sua atividade (isto permitirĂĄ que a lei se torne mais forte com o passar do tempo). Numa carta endereçada ao Governo alemĂŁo, o autor dos UNGPs, John Ruggie, criticou este Ăąmbito limitado do dever de diligĂȘncia considerando-o nĂŁo alinhado com os UNGPs.

O dever de diligĂȘncia ao abrigo desta lei incluĂ­ identificar os riscos para os direitos humanos, previr e mitigĂĄ-los, estabelecer mecanismos de queixa e ainda documentar e reportar os esforços feitos pela empresa. É importante referir que, de acordo com a proposta, estas tratam-se de obrigaçÔes de esforço e nĂŁo de resultado. Isto significa que, caso a empresa demonstre que realizou todos os esforços necessĂĄrios e mesmo assim o resultado se verificou, nĂŁo hĂĄ lugar a responsabilidade (2).

A proposta contĂ©m ainda uma abordagem progressiva, ao traduzir os direitos humanos em riscos especĂ­ficos que devem ser tidos em conta pela empresa. Assim, identifica onze riscos em matĂ©ria de direitos humanos e dois em matĂ©ria ambiental. Nos primeiros, incluem-se trabalho infantil, escravatura moderna, trabalho forçado, segurança no trabalho, entre outros. A nĂ­vel ambiental, serĂĄ considerada uma situação de risco a alta probabilidade de uso ou fabrico de algum produto que contenha (1) mercĂșrio ou (2) poluentes orgĂąnicos persistentes.

Caso as empresas falhem no seu dever de diligĂȘncia, a proposta de lei estabelece multas que, no caso de empresas com mais de 400 mil euros de lucro anual, pode ir atĂ© 2% desse lucro. EstĂĄ ainda previsto como sanção a possibilidade de excluir as empresas dos concursos pĂșblicos por um mĂĄximo de trĂȘs anos, em caso de violaçÔes graves.

 

ConclusĂŁo

Um grupo de 50 empresas manifestou-se, numa declaração conjunta na qual aplaude a iniciativa, mas apela por melhorias, pedindo que a lei se aproxime dos critérios previstos nos Princípios Orientadores das NaçÔes Unidas (UNGPs) e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) (3).

A proposta de lei terĂĄ ainda de passar e ser aprovada no Parlamento AlemĂŁo, de modo a entrar em vigor a 1 de janeiro de 2023.

 

Bibliografia

Business & Human Rights Resource Centre. 2021. More than 50 companies call for German draft due diligence law to be strengthened in Parliament – Business & Human Rights Resource Centre. [online] Available at: <https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/statement-sorgfaltspflichtengesetz/> [Accessed 7 May 2021].

Business & Human Rights Resource Centre. 2021. Germany: Monitoring of the National Action Plan on Business & Human Rights – Business & Human Rights Resource Centre. [online] Available at: <https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/germany-monitoring-of-the-national-action-plan-on-business-human-rights/> [Accessed 7 May 2021].

Eastwood, S., Ford, J., Gharibian, A. and Reynolds, L., 2021. Business and Human Rights – Germany Adopts Draft Mandatory Human Rights Due Diligence Law. [online] Mayer Brown. Available at: <https://www.mayerbrown.com/en/perspectives-events/blogs/2021/03/business-and-human-rights–germany-adopts-draft-mandatory-human-rights-due-diligence-law> [Accessed 7 May 2021].

Human Rights Discussion Group of the Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law, 2021. Mandatory Human Rights Due Diligence: Developments in Germany. Available at: <https://www.youtube.com/watch?v=pKTBl5853-I&ab_channel=MPILHeidelberg> [Accessed 7 May 2021].

 

 

Notas de rodape:

(1) Business & Human Rights Resource Centre. 2021. Germany: Monitoring of the National Action Plan on Business & Human Rights – Business & Human Rights Resource Centre. [online] Disponível em: <https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/germany-monitoring-of-the-national-action-plan-on-business-human-rights/>.

(2) Human Rights Discussion Group of the Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law, 2021. Mandatory Human Rights Due Diligence: Developments in Germany. DisponĂ­vel em: <https://www.youtube.com/watch?v=pKTBl5853-I&ab_channel=MPILHeidelberg> [Accessed 7 May 2021]

(3) Business & Human Rights Resource Centre. 2021. More than 50 companies call for German draft due diligence law to be strengthened in Parliament – Business & Human Rights Resource Centre. [online] Disponível em: <https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/statement-sorgfaltspflichtengesetz/> [Accessed 7 May 2021].

 

 

Citação sugerida: R. Oliveira “A proposta de lei AlemĂŁ sobre devida diligĂȘncia nas cadeias de abastecimento”. Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 27 Maio 2021.