Todos os anos, a organização não-governamental independente e internacional ILGA-Europe, que reúne mais de 600 organizações de 54 países da Europa e Ásia Central, publica o Rainbow Map & Index, uma ferramenta que classifica 49 países da Europa no que toca às suas leis e políticas de igualdade em torno das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (LGBTQI+) e das suas famílias.
Desde 2010, com a garantia da igualdade no acesso ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, que Portugal tem vindo a subir passo a passo neste ranking; já nos últimos dois anos aconteceu um fenómeno aparentemente estranho, mas fácil de justificar. Em 2021, Portugal subiu de 7.º para 4.º, tendo em 2022 descido a pique para 9.º lugar. O motivo desta tão grande oscilação tem um nome: inação.
Explique-se:
Há dois anos, os avanços dos direitos LGBTQ+I na Europa chegaram a um impasse quase total, o que fez com que, num contexto de quase nenhuma mudança positiva, países como Portugal subissem no ranking apenas devido a mudanças consideradas como “não-estruturais” do ponto de vista legislativo. Tal adormecimento refletiu-se ainda mais em 2022 nas políticas públicas nacionais: Portugal caiu no ranking devido à expiração do Plano de Ação do Governo para o Combate à Discriminação em razão da Orientação Sexual, Identidade e Expressão de Género, e Características Sexuais (2018-2021) que, a esta data, continua por publicar.
Entendo o descurar das políticas públicas em matéria de igualdade como um indicador preocupante de fragilidade democrática. E os exemplos de que este ‘relaxamento’ pode resultar na ocupação do espaço político governamental e parlamentar por forças apologistas da discriminação estão a ganhar terreno em Portugal, na Europa e no Mundo. Tal tem acontecido através da reversão das políticas de igualdade de género e dos já parcos avanços na legislação da proteção das pessoas LGBTQI+. Deve-se criar um espaço para a Democracia, para os Direitos Humanos e para as políticas de proteção deste planeta que é a nossa casa comum.
Num contexto atual no qual a violência e os discursos homofóbicos e transfóbicos avançam em todos os quadrantes, é urgente o investimento em respostas e políticas públicas específicas para as pessoas LGBTQI+. Sendo necessário também proceder a uma melhor inclusão da comunidade no contexto profissional e empresarial, garantindo a igualdade de oportunidade e de tratamento. O nosso país não pode ficar adormecido no que toca à proteção dos Direitos Humanos, muito menos descer nos rankings por falta de planos ou estratégias governamentais para atuação direta na ainda frágil resposta do Estado e dos serviços públicos.
Não haverá igualdade plena no nosso país enquanto as pessoas trans virem os seus processos de afirmação atrasados e rodeados de sofrimento porque o sistema não abraça as suas necessidades e as suas reivindicações; enquanto forem empurradas para o domínio do estigma por profissionais de saúde que continuam sem ser devidamente capacitados e formados para as especificidades da população LGBTQI+; enquanto as práticas de conversão operadas por alegados profissionais de saúde não forem proibidas; enquanto as identidades não-binárias não tiverem reconhecimento legal; enquanto a gestação de substituição não for alargada aos homens solteiros e casais de homens.
Não haverá igualdade plena enquanto as pessoas migrantes, refugiadas e requerentes de proteção internacional continuem sem acesso ao SNS, sem respostas na área do trabalho e da integração social; enquanto os locais de trabalho não forem locais seguros; enquanto a Constituição da República Portuguesa não previr a não discriminação com base na identidade e expressão de género e características sexuais; enquanto as realidades machistas, racistas, xenófobas e colonialistas não forem levadas a sério e devidamente travadas por quem governa.
Não haverá igualdade plena enquanto não pudermos ser quem somos, quem sabemos ser, em todos os domínios das nossas vidas.
As políticas públicas em torno dos Direitos Humanos e LGBTQI+ podem e devem ser um barómetro da democracia e da boa Governança. Ainda vamos a tempo de retomar esse caminho. Iniciando-se pelas políticas públicas, e adotando um conceito mais lato e abrangente de Direitos Humanos, não só a camada empresarial e profissional, mas como também a camada “social” tornar-se-ão espaços de inclusão plena. Aliado às políticas públicas, demonstra-se cada vez mais relevante introduzir a perspetiva de Empresas e Direitos Humanos.