Três jovens investigadores, Victória Vitti de Laurentiz, Mariana Ferreira e João Victor Gianecchini, partilham as suas experiências de pesquisa e laborais na área de empresas e direitos humanos. Esta entrevista se enquadra no âmbito da colaboração entre o NOVA Business, Human Rights and the Environment e o NOVA Compliance Lab.
Sobre os jovens investigadores:
Victória Vitti de Laurentiz é doutora em ciências criminais pela Universidade de São Paulo (USP) no Brasil e estuda a responsabilização empresarial por violação de direitos humanos há aproximadamente 7 anos. Durante a graduação em direito, foi pesquisadora bolsista na Alemanha pela Albert-Ludwigs Universität Freiburg e depois trabalhou como research assistant no Canadá pela Universidade de Montréal, pesquisando o tema da lavagem de dinheiro sob a perspectiva comparada entre Brasil e Canadá. Durante a graduação, pesquisou o tema de due diligence em direitos humanos e, no doutorado, a pesquisa endereçou os programas de compliance criminal em direitos humanos e mecanismos de responsabilização empresarial.
Mariana Ferreira é investigadora no centro da Universidade NOVA sobre Empresas, Direitos Humanos e Meio Ambiente. Completou a licenciatura em Direito na Universidade NOVA e é graduada do Global Campus of Human Rights com um mestrado europeu em Direitos Humanos e Democratização, o qual terminou com um prémio de excelência. Atualmente, é estagiária no departamento de Direitos Humanos da Delegação da União Europeia junto das Nações Unidas em Genebra, onde acompanha tópicos de Empresas e Direitos Humanos. Mariana esteve envolvida em diferentes projetos da sociedade civil relacionados com direitos humanos e sustentabilidade e fez trabalho humanitário em campos de refugiados na Grécia. Ela também colaborou com o CEDIS- Centro de Investigação sobre Direito e Sociedade na organização de diferentes eventos académicos e integrou um projeto de investigação durante um ano financiado pela UE sobre acesso à educação de crianças migrantes e refugiadas em Portugal. Recentemente, participou numa iniciativa do Global Campus of Human Rights no qual levou a cabo investigação sobre o impacto da Covid-19 no direito ao trabalho na Europa.
João Victor Gianecchini é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo/Brasil. Foi pesquisador da Fundação de Apoio à Pesquisa de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). João é membro do USP B&HR WG, uma organização destinada a desenvolver as discussões envolvendo questões de B&HR no Brasil e amplamente na América Latina. Seu objeto de pesquisa é centrado na conexão entre direito penal, criminologia corporativa e regulação associados a violações de direitos humanos, sob o foco da exploração da escravidão moderna e do tráfico de pessoas em meio às cadeias de valor globais. Ele também explora as interconexões entre a escravidão moderna no Brasil e outros crimes e violações dos direitos humanos, principalmente suas conexões com o desmatamento da Amazônia e as mudanças climáticas. Ele espera que, por meio de pesquisas pautadas por estratégias baseadas em evidências se possa superar o atual cenário marcado pela violação sistemática de direitos humanos em busca da melhor tutela das vítimas e da prevenção ao abuso corporativo.
1. O que a motivou estudar BHR?
Victoria: Durante a graduação em direito sempre tive um grande incentivo e apoio do meu Prof. Eduardo Saad-Diniz para desenvolver minha pesquisa na área de direitos humanos e empresas. É um tema que sempre me encantou e me interessou, especialmente pelo crescente número de escândalos envolvendo grandes organizações empresariais e com o protagonismo das discussões sobre responsabilidade socioambiental e o papel das empresas. Penso que nossa geração tem um dever de se envolver com temas que refletem diretamente na construção de um futuro de real responsabilidade social corporativa.
Mariana: O que mais me motiva na área de estudo de B&HR é a possibilidade de pensar de forma sistémica como a atividade de cada agente económico influencia a satisfação de direitos económicos, sociais e culturais e o seu papel numa economia em transformação. Por um lado, uma abordagem da economia e da atividade económica centrada no respeito e satisfação dos direitos humanos difere de outras abordagens que têm como objetivo maximizar o bem-estar na sociedade porque não é transacional. Por exemplo, quando se pensa no impacto da atividade de empresas, a nova vaga de legislação sobre diligência devida difere de processos já existentes porque se foca em direitos individuais que podem ser violados como consequência direta ou indireta dessa atividade, os quais a empresa não tem qualquer interesse (aparente) de mercado em proteger. Por outro lado, estamos num momento histórico em que a participação e colaboração de agentes privados na elaboração de novas políticas neste ramo é excecional, o que facilita a mobilização de recursos e representa uma oportunidade de mudança única.
João Victor: Minha motivação para iniciar os estudos em BHR advém do potencial que a agenda possui em endereçar, em sua complexidade, temas interconectados que, sob outra ótica, poderiam não ser abordados em sua abrangência ou completude devida. A principal motivação em desenvolver investigações científicas na área, na minha visão, parte do pressuposto de que a área de estudos em BHR consegue conciliar liberdade de ação empresarial, comportamento corporativo socialmente danoso, e vitimização em larga escala, possibilitando tanto análises empíricas sobre como o impacto da atividade empresarial leva à vitimização, ou mesmo pesquisas teóricas que possam endereçar o papel do direito e instrumentos regulatórios em proporcionar controle social de atividades de alta complexidade. Seja como for, a agenda é múltipla e variada e seus temas são altamente impregnados na realidade social e econômica de todos ao redor do globo, fazendo com que novos temas e discussões surjam em tempo real e novas respostas possam/devam ser buscadas a todo momento.
2. Que caminho recomendaria para quem quer aprofundar este tema?
Victoria: Àqueles que se interessam pelo assunto, recomendo se engajar com outros pesquisadores e colegas de grupos e clínicas de pesquisa em direitos humanos, acompanhando suas atividades, eventos, workshops. Esses eventos representam grandes oportunidades de aproximação com pessoas que já trabalham há mais tempo nesta área, para um compartilhamento de ideias e projetos em comum.
Mariana: É possível ter percursos académicos variados e trabalhar nesta área, sendo a maior parte dos empregos relativamente recentes. Nem sempre é mais útil ter uma formação de base em Direito ou Economia do que em ciências sociais. Acima de tudo, é importante cultivar interesse sobre diferentes áreas temáticas, já que a área de estudo de B&HR é bastante interseccional (tal como os direitos humanos). Diria que qualquer jovem estudante, quer tenha como objetivo trabalhar como Human Rights Officer ou CSR Advisor junto de empresas ou queira fazer parte de organizações internacionais ou instituições públicas, deve procurar aprender sobre um conjunto de tópicos diversos e perceber a sua relação com a atividade económica. Na minha experiência, foi importante fora da universidade juntar-me a organizações da sociedade civil e frequentar discussões e apresentações de iniciativas fora da academia.
João Victor: Acredito que existam diversos caminhos para introdução e aprofundamento no tema. Há diversos grupos de pesquisa comprometidos com o desenvolvimento da agenda ao redor do mundo, que publicam artigos, white papers e realizam eventos e ciclos de webinars sobre a temática, tendo o debate se desenvolvido profundamente em meio à pandemia de COVID-19. Algumas sugestões sobre isso serão realizadas devidamente no item 4. Há também diversos artigos científicos sobre a temática e novos desdobramentos da agenda BHR que possuem livre acesso em periódicos de todo o mundo e podem oferecer substrato para a realização de novas pesquisas científicas sobre a temática. Os novos desdobramentos legislativos ao redor do mundo, com a reprodução de novas legislações responsáveis por regular a matéria de mandatory human rights due diligence, podem também ser objeto de análise a fim de melhor compreender como a agenda evolui e quais os principais objetivos a serem alcançados a curto e médio prazo. De uma forma ou outra, a depender do contexto local, algumas “tensões” inseridas dentro do contexto BHR podem ser consideradas como de maior proeminência, podendo oferecer maior atenção ou maior substrato analítico para aqueles que desejam realizar um recorte temático dentro da agenda e seguir um caminho de investigação em meio à multiplicidade de temas existentes sob a relação entre empresas e violações de direitos humanos.
3. Já está a aplicar o seu conhecimento? De que forma?
Victoria: Sim, em vista do interesse de outros estudantes sobre BHR, em 2021 fundamos a clínica USP Business & Human Rights Working Group, a princípio voltada para se engajar com a intensificação das violações de direitos humanos por empresas, em grande medida derivada da pandemia de COVID-19. Agora, durante o ano de 2022, a clínica pretende desenvolver o tema da Justiça Ambiental (Environmental Justice) e iniciar áreas de trabalho específicas (ESG, desastres ambientais, escravidão moderna, direito à alimentação e food justice, entre outros). Esperamos abrir uma chamada para bolsistas em breve. Nossa ideia é construirmos possibilidades de pesquisa e inovação na área de direitos humanos e empresas, por meio da participação de outros pesquisadores que têm interfaces com diversas perspectivas de BHR.
Mariana: Estou neste momento a trabalhar como trainee no departamento de direitos humanos da Delegação da União Europeia junto das Nações Unidas em Genebra. A vaga de interesse em tópicos de B&HR é proporcional à carga de trabalho… Nas últimas semanas tenho acompanhado as negociações sobre o instrumento que regula as atividades de empresas militares e de segurança privadas e desenvolvido investigação para suportar a posição da UE, ao mesmo tempo que continuamos em conversações com os 27 estados-membros sobre o Tratado que regula a atividade de Empresas Transnacionais. Em Março, durante o Conselho de Direitos Humanos, participei e reportei sobre sessões relativas a direitos económicos, sociais e culturais e desenvolvi investigação no contexto de negociações paralelas (sobre, por exemplo, a iniciativa de resolução chinesa sobre desigualdades económicas ou o apelo da UE para um embargo comercial de armas para o regime militar dos Tatmadaw, no Myanmar).
Essencialmente, tenho a sensação que todo o conhecimento que adquiri desde o primeiro dia da minha licenciatura em Direito até hoje está a ser posto à prova em diferentes momentos. Quando estou nas salas da ONU, tenho de conhecer as nuances dos tópicos legais e não legais que estão a ser discutidos, para que a delegação saiba “prestar contas” mais tarde aos Estados Membros ou a Bruxelas. Ao mesmo tempo, desenvolver investigação ou escrever relatórios sobre grande pressão exige uma compreensão de temas internacionais e questões técnicas bastante consolidada.
João Victor: No atual momento me encontro desenvolvendo pesquisas na área em vistas a iniciar e concluir os estudos de pós-graduação a fim de poder contribuir de forma efetiva em outros níveis para além do acadêmico em um futuro breve. Na minha visão seria imprescindível integrar atividade acadêmica e trabalho em ONGs ou outras organizações sem fins lucrativos a fim de oferecer novas soluções e respostas para a reparação de vítimas e prevenções a violações de direitos humanos. Da mesma forma, acredito que haja espaço para novas iniciativas que possam trazer liderança a partir do setor privado na elaboração de novas estratégias de prevenção e reparação a violações de direitos humanos, que possam levar em conta o real impacto da intervenção da atividade empresarial nas comunidades locais. Por fim, os novos desafios na área de direitos humanos e empresas não escapam a novas estratégias legislativas e regulatórias, bem como planos de ação governamentais que enderecem a temática.
4. Gostaria de deixar uma indicação de leitura, blog ou podcast?
Victoria: O tema de BHR é repleto de fontes excelentes de informação para atualização e estudos. Com especial enfoque para a produção de conteúdo brasileira, recomendo aos interessados acompanharem os conteúdos do nosso site Business Ethics & Corporate Crime Research, o blog do HOMA- Centro de Direitos Humanos e Empresas, o site do Observatório da Mineração, Conectas Direitos Humanos e também recomendo fortemente que acompanhem as atualizações do Ponto de Contato Nacional do Brasil no site oficial do Governo Federal e do ministério da mulher, família e direitos humanos.
Mariana: Qualquer pessoa que queira ter uma introdução técnica ao mundo de B&HR deve conhecer a escrita do John Ruggie, um dos precursores dos UNGP’s e último representante especial na ONU sobre direitos humanos e empresas transnacionais e outras empresas. A minha recomendação é o livro “Just Business”, ainda que haja textos académicos mais curtos e com a mesma densidade. Numa perspetiva menos legal, o meu pensamento foi bastante marcado pelo trabalho de Naomi Klein, uma jornalista e ativista norte-americana, e em particular o livro “No Logo” reflete sobre o poder político e social do conceito das marcas na economia atual. Deixo ainda a recomendação de um podcast grátis do Intercept chamado Deconstructed, no qual são convidados especialistas para discutir tópicos diferentes de política internacional, economia e direitos humanos.
João Victor: Há diversas indicações para leituras, blogs e podcasts. A título exemplificativo, as pesquisas e publicações da Nova Business Human Rights and the Environment têm exercido liderança nas discussões sobre o tema. Na Universidade de São Paulo, sob a coordenação do Prof. Dr. Eduardo Saad-Diniz e ao lado das colegas Victória Laurentiz e Daniela Prata, tenho o prazer de integrar a equipe do USP B&HR Working Group. Durante a pandemia realizamos uma série de webinars, tendo inclusive a contribuição da Nova BHRE por meio da participação da Professora Laura Iñigo Alvarez e Julia Gracia que enriqueceram as apresentações e debates. O grupo busca discutir os principais desafios da agenda BHR a nível global e, de modo específico, particularidades do contexto latinoamericano e brasileiro. O link para os webinars está disponível aqui e a página para acompanhamento de publicações e artigos científicos pode ser acessada aqui. Assim como nossas redes sociais: Instagram e Linkedin.
Citação sugerida: V. Laurentiz, M. Ferreira e J. Gianecchini, ‘Como começar a investigar e trabalhar na área de Empresas e Direitos Humanos? Entrevistas com Jovens Investigadores/as”, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 6 de Maio, 2022.