Madalena Simões de Carvalho

🇵🇹 Empregabilidade das Pessoas Refugiadas

About the author: Madalena Simões de Carvalho é licenciada em Direito pela Universidade Nova de Lisboa. Possui também uma Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade de Coimbra. Está atualmente ingressada no Mestrado em Development Studies do ISCTE e numa Pós-Graduação em Direito das Migrações da Universidade Autónoma. Atualmente trabalha como Legal Advisor and Advocacy Officer na JRS Portugal, uma organização internacional que tem como missão «Acompanhar, Servir e Defender» os refugiados, deslocados à força e todos os migrantes em situação de particular vulnerabilidade.

 

 

“Como podem as empresas acelerar a integração dos refugiados através do seu emprego?”

Para responder à questão “Como podem as empresas acelerar a integração dos refugiados através do seu emprego?”, importa começar por refletir, de forma breve, sobre a importância da empregabilidade na integração de pessoas refugiadas em Portugal.

O direito ao trabalho é um Direito Humano inalienável, consagrado no Artigo 23º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, devendo ser acessível a todas as pessoas, em qualquer parte do Mundo. No caso particular das pessoas que procuram asilo, a empregabilidade assume especial relevância: o trabalho é especialmente importante para poderem recomeçar os seus projetos de vida e (re)encontrarem dignidade, autoestima, bem-estar e autonomia.

O Caderno “Como é começar do zero?”, do ComParte, um “projeto de âmbito nacional focado no envolvimento cívico e transformação social, desenvolvido no seio da Fundação Maria Rosa” dá-nos algumas luzes interessantes sobre este tópico. Esta compilação de testemunhos, desenvolvida com o apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), reúne experiências e recomendações de pessoas refugiadas acolhidas em Portugal. O seu capítulo “Aspiramos a ter um trabalho digno” relata-nos que um trabalho estável, em consonância com o que as pessoas gostam de fazer e com a experiência que trazem dos países de origem e/ou trânsito, é crucial para a integração. Sabemos que um trabalho digno proporciona também estabilidade financeira, acesso a uma habitação, segurança, liberdade, bem-estar, subsistência familiar, e promove a participação social e o desenvolvimento e realização pessoais.

Apesar de a importância do trabalho para as pessoas refugiadas ser evidente, a minha experiência de trabalho no terreno nesta área tem vindo a demonstrar que há enormes desafios ao nível do recrutamento e retenção no mercado laboral das pessoas refugiadas.

Felizmente, temas como a Diversidade & Inclusão (D&I, em inglês) e a Governança Ambiental e Social (ESG, em inglês) têm vindo a ganhar relevância junto de empresas. Percebendo a crescente importância destas áreas, as entidades empregadoras têm vindo a implementar programas e projetos de Responsabilidade Social e Impacto Social na área corporativa. Estes estão completamente alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas e contribuem, nesta área da integração laboral de pessoas refugiadas, para a implementação dos ODS 8 “Trabalho digno e crescimento económico” e 10 “Reduzir as desigualdades”.

A contratação de pessoas refugiadas representa uma das grandes preocupações sociais do setor privado, que, olhando para a Responsabilidade Social também como uma oportunidade, ambiciona ter processos de recrutamento cada vez mais inclusivos e equipas o mais diversas possível.

Um dos primeiros desafios que surge aquando da contratação de pessoas refugiadas é, desde logo, o matching entre pessoas que procuram emprego e entidades que desejam contratar. As pessoas refugiadas procuram trabalho para se organizarem e autonomizarem e as empresas procuram, cada vez mais, empregar pessoas refugiadas. No entanto, muitas vezes, o desafio está no encontro perfeito destas vontades.

A este nível, é essencial existir uma comunicação contínua e um trabalho de parceria próximo entre entidades relevantes na integração e acolhimento de pessoas refugiadas em Portugal e potenciais entidades empregadoras. São exemplos das primeiras o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), o Conselho Português para os Refugiados (CPR), a Organização Internacional para as Migrações (OIM Portugal), entidades pertencentes à Rede de Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM), autarquias locais, e outras Organizações Não Governamentais (ONG). As organizações e respetivas redes da Sociedade Civil que trabalham, no terreno, ao nível da inclusão destas pessoas – como o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS Portugal) ou a Plataforma de Apoio a Refugiados (PAR) – são fundamentais para fazer esta ponte.

Estas entidades são fulcrais, desde logo, para a identificação de procura de emprego por parte de pessoas refugiadas e respetiva comunicação com entidades empregadoras.

Uma dificuldade que surge frequentemente está relacionada com questões documentais e burocráticas: as empresas não sabem, frequentemente, se podem contratar determinada pessoa devido à sua situação documental; não sabem como pedir o Número de Identificação da Segurança Social (NISS) para a pessoa; não conhecem os direitos e deveres laborais dos trabalhadores estrangeiros; entre outros. Estas questões podem ser facilmente esclarecidas através da consulta de manuais já existentes, como o “Mercado de Trabalho Inclusivo – Guia para Organizações Interculturais”, da Rede Portuguesa das Cidades Interculturais, parte do Programa “Cidades Interculturais”, do Conselho da Europa. As entidades empregadoras podem recorrer ainda a gabinetes jurídicos de entidades como o ACM e ONG que trabalham no terreno e fazem, diariamente, esta mediação laboral.

Após o matching de vontades e a fase de contratação, podem surgir outros desafios: dificuldades de comunicação entre a entidade empregadora e as pessoas refugiadas, questões de linguagem (não) inclusiva, preconceitos e estereótipos, divergências linguísticas, culturais e/ou religiosas, entre outras. É importante ter em consideração que, especialmente para pessoas recém-chegadas, para além da integração no mercado laboral em Portugal ser algo novo, a adaptação da pessoa ao nosso país é muito recente: tentam ajustar-se a um novo país, uma nova vila ou cidade, uma nova língua, novas pessoas, uma nova casa.

Da parte das entidades empregadoras, é fundamental que exista alguma flexibilidade e atenção ao contexto individual de cada pessoa, de forma a gerir as expectativas de ambas as partes de forma saudável. As pessoas refugiadas podem trazer uma bagagem laboral diferente, pelo que é importante que exista formação inicial que clarifique alguns processos da empresa e questões laborais gerais, bem como questões que, normalmente, não precisam de ser explicadas a pessoas que vivem em Portugal há largos anos.

É também importante que exista, da parte das entidades, consciência acerca de preconceitos e estereótipos comuns associados a pessoas refugiadas, que podem estar presentes e/ou surgir no ambiente laboral. Algumas características específicas das pessoas refugiadas, nomeadamente idade, género, religião e outras relacionadas com a diversidade, podem acarretar necessidades específicas relativamente às quais as entidades do setor privado devem estar atentas.

No que diz respeito a generalizações, é muito importante que estas sejam evitadas: características específicas podem não ser explícitas e, nesse sentido, uma perspetiva intercultural dos contextos do trabalho deverá ser adotada pelas empresas. É proveitoso para todas as partes que a diversidade seja respeitada e valorizada: características diversas podem trazer uma pluralidade de experiências bastante positiva.

Uma vez mais, as já referidas entidades e redes poderão ser importantes para ultrapassar estes desafios e alcançar um recrutamento verdadeiro inclusivo. Podem servir como “ponte” entre as pessoas refugiadas e as empresas, podendo, inclusive, proporcionar oportunidades de formação às entidades do setor privado acerca destes tópicos (quer aos Recursos Humanos, quer às equipas já presentes nestas entidades), partilhando know-how adquirido no trabalho prático do dia-a-dia com esta população. Os intérpretes e mediadores interculturais do ACM e das ONG, por exemplo, poderão ser importantes para a mediação destes processos e para ultrapassar divergências culturais e de comunicação.

Existem manuais de boas práticas que devem ser utilizados pelas entidades do setor privado, como o “Guia de Formação de Pessoas Formadoras de Entidades Empregadoras”, desenvolvido pelo projeto “Divers@s e Ativ@s: promoção da Diversidade e Não Discriminação no âmbito profissional”, promovido pela Associação Portuguesa para a Diversidade e Inclusão.

É  ainda relevante destacar, como exemplo de boas práticas nesta área, projetos como o “Programa de Empregabilidade para Refugiados”, da IKEA, em parceria com o CPR e o ACM ou o “Programa Talent and Skills Academy”, do BNP Paribas em parceria com o JRS Portugal, que demonstram os frutos que podem surgir do trabalho de parceria entre entidades do setor privado e entidades que trabalham na área do acolhimento e integração de refugiados em Portugal.

De uma forma geral, o caminho para um recrutamento mais inclusivo passa, cada vez mais, por uma abordagem participativa: as entidades empregadoras devem envolver as pessoas refugiadas nos processos de decisão, questionando-as acerca das suas opiniões, experiências, sugestões e contributos para otimizar a contratação e integração de pessoas refugiadas nas suas equipas.

Em suma, o recrutamento inclusivo aqui exposto beneficia todas as partes envolvidas, representando uma parte significativa do processo de inclusão de pessoas refugiadas em Portugal e potenciando, paralelamente, a criação de uma cultura organizacional multicultural e mais representativa da realidade e de oportunidades de crescimento para o setor privado.

 

*Esta reflexão é baseada, acima de tudo, na minha experiência pessoal. Engloba, essencialmente, experiências profissionais e de voluntariado na área da inclusão de pessoas refugiadas nas suas comunidades.

 

Suggested citation: M. S. Carvalho, ‘Empregabilidade das PessoasRefugiadas’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 16th January 2023.