Ponto de Contato Nacional da França recomenda à SHEIN reformar o modelo de “ultra-fast fashion”

Gabriel Araujo is an independent consultant specializing in Business and Human Rights and Responsible Business Conduct. He is currently a PhD candidate at Paris 1 Panthéon-Sorbonne, where his research focuses on the development of mandatory Human Rights Due Diligence (HRDD).

 

Um modelo baseado, por um lado, no excesso e, por outro, na falta de transparência

O Ponto de Contato Nacional da França para a Conduta Empresarial Responsável (PCN França) divulgou, na última semana, sua Declaração Final sobre a queixa apresentada contra a empresa SHEIN, sediada em Singapura. De acordo com o Guia para Pontos de Contato Nacional sobre a Coordenação ao tratar de Instâncias Específicas, o PCN pode analisar casos envolvendo qualquer empresa, independentemente de sua nacionalidade, desde que mantenha atividades econômicas substanciais, como vendas, publicidade ou presença logística, no território do país em questão. As conclusões são claras: o modelo de “ultra-fast fashion” da marca é incompatível com os princípios de conduta empresarial responsável definidos nas Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais.

O caso, apresentado pelos parlamentares franceses Dominique Potier (relator e principal proponente parlamentar do projeto de lei sobre o Devoir de Vigilance) e Boris Vallaud, ganhou destaque não apenas pela gravidade das alegações, mas também por seu alcance simbólico: pela primeira vez, uma empresa não europeia operando digitalmente na França foi avaliada à luz das diretrizes internacionais de devida diligência empresarial.

Segundo a denúncia, o modelo de negócios da SHEIN, marcado pela renovação diária de milhares de peças a preços baixos, incentiva o consumo desenfreado, gera volumes crescentes de resíduos e pressiona de forma insustentável as cadeias de fornecimento. Após diversas rodadas de mediação, incluindo uma sessão em fevereiro de 2025, o PCN concluiu que a empresa não está em conformidade com vários capítulos das Diretrizes da OCDE.

  1. Falta de transparência e governança opaca

Entre as principais preocupações está a recusa da SHEIN em divulgar informações básicas sobre sua estrutura financeira e de governança, sob o argumento de ser uma empresa privada. A falta de transparência impede compreender como o grupo está estruturado e opera na União Europeia, algo essencial para avaliar responsabilidades e riscos.

O PCN lembrou que o Capítulo III das Diretrizes exige a divulgação regular e confiável de informações sobre as atividades e resultados financeiros das empresas. Embora a SHEIN tenha passado a publicar relatórios de sustentabilidade após a abertura do caso, o órgão considerou que eles ainda são superficiais, sem dados concretos sobre riscos sociais e ambientais.

  1. Devida diligência insuficiente e lacunas trabalhistas

A investigação mostrou que a SHEIN não aplica procedimentos robustos de devida diligência em sua cadeia de fornecimento. A empresa não apresentou qualquer mapeamento de impactos sociais ou ambientais, com exceção de estimativas de emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Além disso, o Código de Conduta de Fornecedores baseia-se estritamente nas leis nacionais, o que é preocupante, já que a maior parte da produção ocorre na China, onde há lacunas na proteção de direitos trabalhistas fundamentais. O PCN destacou que a liberdade sindical e a negociação coletiva não aparecem entre os critérios obrigatórios de auditoria, em desacordo com as Diretrizes da OCDE.

  1. Riscos sistêmicos nas condições de trabalho

Relatos de jornadas de até 75 horas semanais em oficinas de fornecedores foram confirmados pela análise do PCN. Embora o padrão interno limite o trabalho a 60 horas, uma cláusula genérica permite ultrapassar esse limite em “situações excepcionais”, o que, na prática, normaliza condições abusivas.

A situação salarial também é frágil. A SHEIN apenas exige o pagamento do salário mínimo local e “encoraja” remunerações dignas, sem mecanismos de verificação.

  1. Descompasso ambiental e práticas enganosas

Apesar da promessa de reduzir em 25% suas emissões até 2030, o PCN constatou que as emissões da SHEIN quase dobraram entre 2022 e 2023. Sem um mapeamento abrangente dos riscos ambientais, a estratégia climática da empresa continua desconectada de seus impactos reais.

O órgão também citou decisão da Direction générale de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes (DGCCRF), que condenou uma entidade da SHEIN por publicidade enganosa em alegações ambientais e de preços, resultando em multa de 40 milhões de euros.

Um marco para a moda “ultra-fast fashion”

Na Declaração Final, o PCN recomendou que a SHEIN realizasse uma revisão estrutural de seu modelo de negócios e de suas políticas internas. Entre as oito recomendações apresentadas estão:

O cumprimento dessas recomendações será monitorado pelo PCN ao longo dos próximos 12 meses.

A decisão do PCN reforça o alcance global das Diretrizes da OCDE e a obrigação das empresas, independentemente de sua sede ou modelo de operação, de seguir padrões internacionais de conduta responsável. Portanto, mais do que um caso isolado, a decisão sobre a SHEIN lança um alerta: a velocidade e o volume característicos do fast fashion não podem servir de justificativa para práticas empresariais insustentáveis.

Ao mesmo tempo em que muitos veem a decisão como um precedente relevante para o debate sobre responsabilidade corporativa, outros apontaram, com veemência, a contradição que se revelou poucos dias depois, quando a marca anunciou a abertura de sua primeira loja física permanente em um dos principais centros comerciais da capital francesa.

 

Suggested citation: G. Araujo, ‘Ponto de Contato Nacional da França recomenda à SHEIN reformar o modelo de “ultra-fast fashion” ‘, NOVA BHRE Blog, 25 October 2025