🇵🇹 Uma nova coluna para representar os jovens e novas perspetivas

About the authors: 

Alice Maria Pereira Milheiras é licenciada em Direito, pela Universidade Autónoma de Lisboa, e aluna do segundo ano de Mestrado em Direito Internacional e Europeu, na Universidade Nova de Lisboa. Atualmente a Alice é estagiária na NS Advogados. Esta sempre teve um forte interesse em Direitos Humanos o que a levou a participar em alguns projetos com o Centro NOVA BHRE.

Dussu Djabula is a Research Associate and a Member of the Executive Committee of the NOVA Centre on Business, Human Rights and the Environment. She is currently focused on Sustainable Finance and on the development of student-led initiatives. Dussu holds an LLB from NOVA School of Law and is an LL.M. Candidate at KU Leuven on International and European Business Law.

Madalena Simões é licenciada em Direito pela Universidade Nova de Lisboa e está atualmente a estudar Direito Internacional Público (LL.M) na Universidade de Leiden.

Sara Félix encontra-se atualmente a fazer estudos de pós-graduação no Colégio da Europa, em European Political and Governance Studies. É Mestre em Direito Internacional e Europeu pela Nova School of Law e licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Antes de entrar para o Colégio da Europa, trabalhou como jurista no Centro Nacional de Cibersegurança

 

Um conceito incontornável quando falamos da participação dos jovens nos momentos chaves de decision-making é a equidade intergeracional. Não pode ficar esquecida a dinâmica subjacente aos grandes problemas que enfrentamos enquanto sociedade (um enorme fluxo de migrações, alterações climáticas, etc), uma vez que, os jovens pouco ou nada contribuíram para o estado atual, mas são dos grupo de pessoas mais vulnerável e mais suscetível a sofrer as repercussões das decisões tomadas (ou não) no presente.

É por isto que o conceito de equidade intergeracional é de grande relevância, devendo-se garantir um certo nível de igualdade entre as gerações passadas, as gerações presentes e as gerações futuras.

Para cumprirmos com a equidade intergeracional é necessário envolver os jovens a nível local, nacional, europeu e internacional dando-lhes os instrumentos mas também o espaço para poderem intervir e influenciar políticas públicas e muito mais. Nesse sentido, o NOVA Centre on Business, Human Rights and the Environment dá início a uma nova coluna “Young Voices and Fresh Perspectives” (Vozes Jovens e Perspectivas Inovadoras). A partir desta coluna, mas também a partir deste blog post de introdução, procuraremos demonstrar de forma inequívoca alguns dos temas que importam aos jovens e que serão abordados por textos diferentes através da coluna.

 

Crianças e Jovens refugiados e deslocadas internamente

De acordo com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados, nos primeiros meses de 2022, mais de 100 milhões de pessoas viram-se obrigadas a deslocar-se como consequência de perseguições, conflitos, violência ou violações dos direitos humanos. Em poucos meses, a população mundial forçosamente deslocada atingiu o nível mais elevado jamais registado.

De acordo com a UNICEF, a população mundial de refugiados mais do que duplicou na última década, sendo que as crianças constituem quase metade da população refugiada no mundo.

O ativismo e participação política das crianças e jovens ocupa um papel central no plano proposto pela UNICEF para alcançar a igualdade de direitos e oportunidades para todas as crianças refugiadas. O plano prevê 6 ações, entre elas a “Ação 2” que passa pelo reconhecimento das crianças refugiadas, antes de mais, como crianças e de que estas gozam de um direito à proteção e de direitos de participação. Para assegurar estes direitos, a UNICEF propõe que os governos se certifiquem que as organizações lideradas por jovens e refugiados estejam presentes e participem em fóruns locais e globais onde as políticas e decisões que os afetam sejam tomadas.

O futuro das crianças migrantes e deslocadas apresenta inúmeros desafios, desde logo porque estão mais expostas a perigos como a pobreza, o trabalho infantil, o casamento precoce e o tráfico de seres humanos, a violência e a exploração. O acesso à educação e a cuidados médicos adequados nem sempre é garantido durante os fluxos migratórios e, chegadas ao país de acolhimento, a integração também apresenta desafios. Estas dificuldades têm efeitos físicos e psicológicos duradouros e podem impedir as crianças e jovens refugiadas e deslocadas de atingirem o seu pleno potencial. São exatamente estes desafios e necessidades específicas que exigem que estas crianças e jovens sejam ouvidos e que os seus interesses e direitos sejam acolhidos pelas legislações nacionais.

Relativamente ao papel das empresas, é inegável que estas podem ter um papel na promoção dos direitos dos refugiados, desde logo através da efetivação do direito ao trabalho e da inserção dos refugiados na comunidade local. A Charter of Good Practise on the Role of the Private Sector in Economic Integration of Refugees, promovida pelo Private Sector for Refugees (PS4R) é um guia prático que analisa quatro áreas principais onde as empresas podem associar-se com os refugiados: (i) empreendedorismo, (ii) investimento, (iii) emprego, e (iv) produtos e serviços. A Charter contém 20 princípios que explicam como o sector privado pode facilitar a integração dos refugiados nos países de acolhimento, e como os decisores políticos podem permitir, através da alteração da legislação nacional, ao sector privado desempenhar um papel mais forte na integração económica dos refugiados.

 

A transição energética e o financiamento sustentável

O tema do financiamento da transição energética não pode ser discutido divorciado do tema das alterações climáticas. O ano de 2021 foi o sexto ano mais quente desde 1980, e as temperaturas globais têm aumentado de forma constante, o que significa que estamos cada vez mais longe de atingir os objetivos do Acordo de Paris. Adicionalmente, em 2017 um estudo descobriu que um conjunto de 100 empresas são responsáveis por 71% das emissões globais, o que demonstra de forma clara que não bastará só alterações nas esferas individuais, sendo necessária uma alteração profunda da lógica empresarial atual.

Modificar o acesso das empresas ao financiamento e ao investimento, exigindo demonstrações de como a sustentabilidade integra o business model será por sua vez um incentivo bastante relevante. Vários grupos de jovens, associações, movimentos e ONGs têm preparado e lançado campanhas exigindo a transição energética, mas também que esta seja financiada de forma ética, seguindo critérios claros.

Apesar dos grandes desenvolvimentos na área de financiamento e investimento sustentável, é impossível não referir que também se tem verificado cada vez mais práticas de corporate washing, e também, parece que os avanços e desenvolvimentos na área não têm em consideração o sentido de urgência da camada mais jovem da população.

 

O papel dos jovens ativistas na defesa dos Direitos Humanos e Ambiente

A importância do envolvimento das gerações atuais na proteção e defesa dos Direitos Humanos e do Ambiente é essencial, não só porque ajuda ao desenvolvimento das leis aplicadas aos mesmos (consequência das diferentes opiniões e mentalidades), mas também porque evita que sejam tomadas decisões que podem afetar estas e as futuras gerações sem o seu consentimento ou, pelo menos, sem a sua participação na discussão.

Apesar de ainda ser pouco usual ver sujeitos com idade não superior a 30 anos em posições de poder que possam influenciar as decisões tomadas em organizações internacionais importantes de Direitos Humanos e Ambiente, como as Nações Unidas, cada vez mais se reconhece a relevância dos jovens na divulgação dos problemas através das redes sociais que resultam em discussão e por vezes mudança de posições e de atitudes das organizações perante as violações dos Direitos Humanos e do Ambiente.

As alterações climáticas, ao contrário do que muitas das vezes é discutido, estão relacionadas com Direitos Humanos, nomeadamente, o Direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado[1]. Este é negativamente afetado pelas alterações quando as mutações que surgem no ambiente deterioram as principais fontes de alimentação dos seres humanos (os solos, que por sua vez afetam os animais consumidos pelas pessoas).  Tendo um efeito em cadeia, isto leva ao surgimento de novas doenças e pandemias que acabam com o bem-estar e a saúde das pessoas cuja sobrevivência depende do que consomem.

Alguns destes problemas podem ser evitados, outros mitigados se forem aplicadas leis de forma efetiva às entidades públicas e privadas que contribuem para o aumento da poluição e consequentemente para as alterações climáticas.

São pessoas como a Greta Thunberg que têm vindo a chamar à atenção mundial, em especial dos jovens, para o seu papel na construção urgente de mudanças de comportamentos e na aplicação de leis. Apesar de ainda não se ter visto na prática algum tipo de impacto nos governos, muitos jovens têm seguido o exemplo de Greta e começam a envolver-se ativamente na proteção dos Direitos Humanos e do Ambiente, o que nos leva a crer que, futuramente,  estes jovens irão ditar a nova postura mundial relativamente a estes assuntos.

 

A litigância estratégica

É essencial o ativismo dos jovens, que os mesmos organizem marchas, manifestações, que usem os meios que têm disponíveis para se educarem e educarem outros para a defesa dos Direitos Humanos. É também essencial que os jovens estejam conscientes dos meios judiciais disponíveis.

Perante a realidade de que os Direitos Humanos sejam eles quais forem, desde os políticos e civis, aos culturais, económicos e sociais até ao direito a um ambiente saudável já reconhecido na Constituição da República Portuguesa 66º nº1[2], merecem proteção do Estado, e que uma violação direta (através da criação direta de uma situação que viole o direito da pessoa) ou indireta (através da omissão do Estado numa dada situação) pode ter lugar,  há que preparar os jovens e a população no geral para trazer o ativismo para a litigância.

Primeiro há que educar sobre os meios processuais disponíveis e sobre as várias vias de indemnização, que podem ser nacionais ou internacionais. O Direito regula a sociedade e uma decisão de um tribunal que venha condenar um comportamento que viole Direitos Humanos é um passo gigante no que pretendemos garantir com a defesa destes direitos — a equidade.

Quando pensamos em específico na proteção ambiental, área onde os jovens têm sido mais acérrimos na sua defesa, relembramos que em 2020 6 jovens portugueses levaram ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos um caso contra 33 Estados, incluindo Portugal por não cumprirem com as metas acordadas de emissões no Acordo de Paris. Neste momento os Governos já apresentaram as suas segundas peças processuais de defesa e dia 28 de Junho o caso passou para a Grande Câmara, onde os jovens portugueses irão ser ouvidos pelos 17 juízes que compõem esta Grande Câmara[3]. Este é um exemplo da litigância, em concreto, ambiental que se tem realizado. Porém, muitos outros exemplos têm surgido, como no caso da Noruega, em 2020, quando o Supremo Tribunal Noruguês, deliberou sobre o primeiro caso climático.

A verdade é que os casos ao serem levados a tribunal, mesmo que não surtam os efeitos pretendidos, geram debates e trazem focos para a ordem pública. A litigância pode ser vista apenas como último recurso, no entanto, se considerarmos que há assuntos que estão “pendentes” há vários anos, que há constantes violações de direitos humanos a ter lugar e que é possível, perante uma dada situação, que tenha impacto na pessoa que pretende resolver o assunto judicialmente, é vital que tal aconteça.

Segundo artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o acesso à justiça e a um processo justo é parte do elenco dos direitos humanos  e se várias vezes não recorremos à mesma (justiça), é porque não estamos educados para tal, ou porque as custas judiciais são demasiado elevadas ou porque temos receio que a nossa situação seja “mal contada” em tribunal. Devemos exigir mais e melhor!

 

[1]Artigo 66º (1) (Ambiente e qualidade de vida), da Constituição da República Portuguesa, 1976

[2]Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

[3] https://youth4climatejustice.org/

 

Suggested citation: D. Djabula, M. Simões, S. Félix, A. Milheiras, ‘Uma nova coluna para representar os jovens e novas perspetivas’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 8th November 2022.