Reflexões sobre a IV Conferência Anual do NOVA Centre on Business, Human Rights and the Environment
Ana Santos Duarte é um membro do Comité Executivo e Investigadora Associada no NOVA Centre on Business, Human Rights and the Environment e advogada com uma sólida experiência em Empresas, Direitos Humanos & Sustentabilidade.
Esta reflexão foi originalmente publicada na 3ª edição da Newsletter do Ponto de Contacto Nacional de Portugal.
No passado dia 19 de novembro, o auditório da Fundação Calouste Gulbenkian tornou-se palco de reflexões inspiradoras sobre sustentabilidade corporativa. Sob o tema “Unpacking Human Rights and Environmental Due Diligence”, decisores políticos, líderes empresariais, especialistas, representantes da sociedade civil e académicos reuniram-se para analisar o processo de diligência devida– desde o compromisso inicial de respeitar os direitos humanos e o ambiente, passando pela identificação e priorização de riscos, até à implementação de medidas, monitorização e garantia de uma comunicação transparente. O tema debatido surge num momento crucial na história da sustentabilidade. Estamos a assistir à transição de princípios voluntários dispostos em instrumentos de soft law, como os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs) e as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais sobre Conduta Empresarial Responsável, para obrigações legais, como aquelas estabelecidas na Diretiva da União Europeia, relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (CS3D). Esta nova peça legislativa impõe às empresas a responsabilidade de respeitar os direitos humanos e o meio ambiente. Neste sentido e perante a rápida evolução do panorama legal, exige-se que as empresas atuem para além da mera conformidade legal, devendo adotar uma abordagem proativa e holística em relação à conduta empresarial responsável.
I. Do compromisso à ação: o verdadeiro desafio
Um dos temas discutidos no primeiro painel foi o reconhecimento de que o compromisso é apenas o primeiro passo e a implementação é o verdadeiro desafio. Respeitar os direitos humanos e o ambiente deve estar incorporado no ADN das empresas e nas suas práticas operacionais. Contudo, como sublinhou Nichole Solomons, as empresas precisam de estruturas claras e de um diagnóstico das práticas existentes, para, a partir daí, determinarem ações concretas e consistentes.
Entre os oradores o consenso foi claro: embora a legislação ofereça uma base importante, o impacto real depende do compromisso empresarial genuíno e de uma implementação significativa.
II. Uma abordagem baseada no risco: não há soluções universais
Outro aspeto destacado foi a importância de compreender os riscos e impactos únicos de cada negócio e da sua cadeia de valor. Foi sublinhado que o dever de diligência não deve ser reduzido a um exercício burocrático ou a um conjunto de checklists. Este, e conforme descrito na CS3D, é um processo contínuo, baseado no risco, onde as empresas devem dar prioridade às suas ações, considerando os seus riscos salientes.
Conforme sublinhado pela Céline da Graça Pires, é fundamental que as empresas sejam proativas. Além de atuarem o quanto antes, devem também olhar para estes temas não como ameaças, mas sim como oportunidades que poderão impulsionar mudanças positivas e reforçar a sua vantagem competitiva.
III. O envolvimento das partes interessadas: a essência da diligência devida
A mensagem-chave presente ao longo deste terceiro painel foi a importância do envolvimento significativo de todas as partes interessadas. A diligência devida só será eficaz se as empresas ouvirem verdadeiramente as comunidades afetadas, os colaboradores, as organizações sem fins-lucrativos e os demais stakeholders. Para que tal aconteça é imperativo relembrar que as melhores estratégias e resultados surgem de diálogos inclusivos e transparentes e não apenas de decisões isoladas dos conselhos de administração. Este envolvimento é, sem dúvida, a essência de uma abordagem responsável e sustentável.
IV. Transparência e responsabilidade: pilares de confiança
No quarto painel, os oradores exploraram as dificuldades associadas à monitorização, elaboração de relatórios e comunicação. Discutiu-se como as exigências de reporte previstas na CS3D e na Diretiva de Relato de Sustentabilidade das Empresas (Corporate Sustainability Reporting Directive CSRD) devem ser reconhecidas como oportunidades estratégicas para promover uma cultura de prestação de contas e de melhoria contínua. Destacou-se, ainda, o papel da transparência como motor essencial para potencializar a confiança e o diálogo com as partes interessadas.
V. Apoiar toda a cadeira de valor: o papel das grandes empresas
Ao longo deste dia, foi mencionado o impacto indireto da CS3D nas pequenas e médias empresas (PMEs). Embora estas não estejam diretamente abrangidas pela diretiva, os seus impactos serão inevitáveis. Neste contexto, discutiu-se a necessidade de promover uma colaboração baseada na responsabilidade partilhada, onde as grandes empresas serão fundamentais no apoio às PMEs. Esse apoio pode materializar-se de diferentes formas, nomeadamente através da capacitação, da transferência de conhecimento, do apoio técnico e de iniciativas conjuntas. Por fim, foi ainda importante refletirmos sobre como uma cadeia de valor resiliente e sustentável só pode ser construída com esforços coordenados e valores comuns partilhados.
VI. Do texto à prática: o caminho a seguir
A CS3D estabelece uma base legal, mas a sua eficácia dependerá da sua implementação prática. Apesar do longo caminho já percorrido, persiste ainda um grande desafio: o de como fomentar uma cultura empresarial onde o dever de diligência em matéria de sustentabilidade não seja encarado como um fardo, mas como uma oportunidade estratégica para inovar, ser mais resiliente e aumentar a competitividade. Em conclusão, a IV Conferência Anual do NOVA BHRE destacou-se como um espaço privilegiado de reflexão e troca de conhecimento, mas sobretudo como um catalisador para uma dinâmica coletiva. Os desafios que enfrentamos no âmbito da sustentabilidade corporativa são vastos e complexos, exigindo uma resposta coordenada e proativa por parte de empresas, governos, especialistas, sociedade civil, academia e das novas gerações.
No entanto, esta complexidade não deve ser um entrave, mas sim um incentivo à ação. As reflexões partilhadas não representam um fim, mas um ponto de partida para o avanço conjunto rumo a soluções tangíveis e duradouras. O caminho é claro: a colaboração e o compromisso com ações concretas são inegociáveis. Pois, o futuro quedesejamos– mais justo e sustentável– será definido pelas decisões e pelos passos que tomarmos hoje.
Citação Sugerida: A. S. Duarte ‘Reflexões sobre a IV Conferência Anual do NOVA Centre on Business, Human Rights and the Environment’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 26 de dezembro de 2024