Sobre o autor: Luís Prata e Castro é aluno do Mestrado em Direito e Gestão na NOVA School of Law e na NOVA SBE e licenciado pela Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Luís é Research Associate do Nova Knowledge Centre on Business, Human Rights, and the Environment.
O decreto-lei que regula os mercados de carbono voluntários foi aprovado na generalidade em Conselho de Ministros em 26 de janeiro de 2023 e encontrou-se em consulta pública até 11 de abril de 2023. O objetivo desta legislação é gerar incentivos económicos para reduzir as emissões ou aumentar o sequestro de carbono. Este diploma não é de confundir com o Comércio Europeu de Licenças de Emissões (CELE). O mercado de carbono voluntário não subsistiu o CELE nem o regime de Compensação e Redução de Emissões de Carbono da Aviação Internacional (CORSIA) nem serve o cumprimento das obrigações resultantes. Este mecanismo pretende ajudar empresas com objetivos mais ambiciosos de ESG e promover ainda projetos com cobenefícios para além da redução de emissões.
O mercado consiste na constituição de projetos de redução ou sequestro de emissões que serão reconhecidos formalmente, o que lhes atribuirá créditos que podem ser transacionados e adquiridos por empresas que pretendam compensar as suas emissões das suas atividades a projetos que reduzem as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) ou sequestram carbono, sendo pretendido que sejam compensadas emissões que não conseguem ser evitadas com as soluções atualmente disponíveis. Um crédito de carbono corresponderá a uma tonelada de co2, que depois poderá assumir as formas de crédito de carbono futuro (CCF) ou créditos de carbono verificados. Estes créditos são ainda válidos por tempo indeterminado. Os créditos de carbono de projetos desenvolvidos nas áreas prioritárias e que incorporem benefícios adicionais ao nível de biodiversidade e capital natural são registados como créditos de carbono +.
O mercado voluntário destina-se a contribuir para a mitigação de emissões de GEE (Gases com Efeito de Estufa) no território nacional e para o cumprimento dos compromissos nacionais, europeus e internacionais assumidos pelo Estado Português na linha com o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Pretende ainda promover cobenefícios ambientais e socioeconómicos que possam advir da concretização dos projetos de mitigação das emissões de GEE.
Este mercado rege-se pelos seguintes princípios: da credibilidade, em que os cenários de referência dos projetos sejam realistas e robustos para a contabilização de redução de emissão de GEE ou sequestro de carbono. O segundo princípio está ligado com a adicionalidade, em que a redução de GEE ou sequestro de carbono ocorre apenas com a concretização do projeto proposto. O terceiro princípio é o da permanência das emissões sequestradas, em que devem ser garantidas salvaguardas. O quarto princípio, o da eficiência pretende que se evitem fugas de carbono resultantes da implementação do projeto. Este mercado é ainda caraterizado pelos princípios do acompanhamento, transparência e sustentabilidade. A Comissão Europeia adotou em 2022 uma proposta de regulamento que estabelece o primeiro quadro voluntário de certificação da união relativo às remoções de carbono e que visa essencialmente introduzir uma certificação das remoções de carbono, baseada numa contabilidade de carbono sólida e transparente. Estabelece critérios de qualidade para que as remoções de carbono sejam elegíveis para certificação tais como: a quantificação; a adicionalidade; a armazenagem a longo prazo; a sustentabilidade e metodologias de certificação nos artigos n. º4 e seguintes da proposta de regulamento. A proposta portuguesa assenta na sua grande maioria nestes princípios, divergindo apenas no modelo ao ser baseado num mercado e não numa certificação apenas.
Este mecanismo permite a que empresas que pretendem ir além do European Union Emission Trading System (EU ETS), um mercado de carbono de compliance, neutralizando as emissões que não lhes seja possível evitar no decorrer da sua atividade. Esta possibilidade é positiva por estabelecer critérios em que há de facto redução de emissões e até fixação de emissões e ao permitir empresas que pretendem seguir padrões de responsabilidade mais elevada financiarem a redução de emissões em outras atividades que de outra forma não o conseguiriam concretizar. Este mecanismo deve ser visto como um contributo para atingir as metas de neutralidade carbónica até 2050 e ser visto como uma das soluções e não apenas como uma solução para empresas que pagam para poluir enquanto não reduzem as emissões que lhes são possíveis reduzir com as tecnologias atuais. A proposta portuguesa tem ainda em conta a necessidade de fixar carbono nas florestas portuguesas severamente afetadas por incêndios florestais e promover projetos de coesão territorial, dando um incentivo económico à utilização dos territórios para este fim. O decreto-lei tem ainda um foco em projetos de captura de alta qualidade, dando prevalência a estes e procurando destacar os benefícios ecológicos do mesmo.
Se olhamos para outros países da União Europeia, por exemplo em Itália, existe já um Código do Carbono Florestal, estando a ser redigida a versão 2.0 e define os critérios mínimos de qualidade para a geração e venda de créditos de carbono porém não certifica esses projetos nem cria um mercado de carbono voluntário. Em França, foi criado em 2018 o “Label bas-carbone” alicerçado na Estratégia Nacional de Baixo carbono. Esta rótulo está assente numa certificação climática voluntária em França e pretende certificar projetos de redução ou sequestro de carbono realizados no território francês de forma a contribuir para a redução de GEE com a garantia de qualidade e transparência. Estes projetos são financiados por entidades públicas, privadas e até cidadãos através da compra de créditos de carbono, permitindo operar a compensação de carbono necessária para atingir a meta de neutralidade carbónica. Este “rótulo” reconhece no total nove tipos de projetos, seis deles relacionados com as atividades agrícolas e três tipos de projetos florestais. Os projetos terão de cumprir a metodologia aprovada pelo Ministério do Ambiente, relativamente à contabilização de emissões e funcionamento dos projetos relativamente a redução e sequestro de GEE. Após decidido o tipo de projeto, é necessário contabilizar os GEE da exploração, especialmente no caso da agricultura. Quando o projeto for implementado é possível solicitar a certificação de baixo de carbono ao Ministério da Transição Ecológica Francês, sendo o processo gerido de forma descentralizada. Após aprovação do projeto é possível pedir a verificação da redução de GEE geradas pelo projeto, sendo esta verificação realizada por entidade independente. A legislação francesa vai no sentido da proposta de regulamento que cria uma certificação e respetivas metodologias e não um mercado de carbono voluntário.
Portanto, um mercado de carbono com certificação de redução voluntária parece necessário pelo facto de garantir uma maior transparência e rigor, que pode por vezes faltar aos sistemas de certificação privados e que podem contribuir para confundir os stakeholders e arriscam uma não efetiva redução ou fixação de carbono. Do ponto de visto das empresas, aparenta ser um mecanismo positivo, ao permitir que compensem emissões que não conseguem eliminar, de uma forma transparente e credível. A utilização dos mercados de carbono pode apoiar uma estratégia de empresas que pretende fazer negócios de forma responsável, com altos padrões de direitos humanos e sustentabilidade.
Citação sugerida: L. P. Castro, ‘Mercados de Carbono Voluntários: um mecanismo necessário para a conduta empresarial responsável?’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 6 de Junho 2023