🇵🇹 Para quando a Diretiva de Governação Sustentável das Empresas?

Sobre a autora: Sara Pacheco é licenciada em Direito pela Nova School of Law e Assistente de Investigação no Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment.

 

Foi já a 29 de abril de 2020, num webinar organizado pelo Grupo de Trabalho sobre Conduta Empresarial Responsável do Parlamento Europeu (1),  que o Comissário Europeu para a Justiça, Didier Reynders, anunciou o compromisso de introdução de regras de diligência devida obrigatória em matéria de ambiente e direitos humanos numa iniciativa legislativa relacionada com a Governação Sustentável das Empresas (2).

No seguimento deste anúncio, a Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu divulgou, a 27 de janeiro de 2021, um relatório que incluía recomendações à Comissão Europeia sobre a diligência devida obrigatória e responsabilidade das empresas. O relatório final foi adotado a 10 de março, com apoio de todos os grupos políticos (3).

‘A fim de obter os contributos das partes interessadas, a Comissão Europeia realizou uma consulta pública entre 26 de outubro de 2020 e 8 de fevereiro de 2021. Esta consulta resultou em 473 461 respostas da sociedade civil, de entre as quais, uma foi assinada por 122 785 cidadãos, bem como a entrega de 149 position papers fora da consulta pública (4). Além disso, quase 100 investidores que representam mais de 6,3 triliões de dólares em ativos sob gestão ou aconselhamento apoiaram publicamente a intenção da Comissão de estabelecer a obrigatoriedade da diligência devida em matéria ambiental e de direitos humanos e proporcionar clareza sobre as responsabilidades dos conselhos de administração (5). No entanto, apesar das previsões iniciais de que a Diretiva de Governação Sustentável das Empresas iria ser divulgada em junho de 2021 e, posteriormente, em outubro, nenhum comunicado foi realizado por parte da Comissão Europeia esclarecendo a razão da quebra do seu compromisso de avançar com esta iniciativa ainda no ano de 2021.

Não obstante, é sabido que o atraso se deve ao facto da proposta não ter tido um parecer positivo por parte do Comité de Controlo da Regulamentação (‘Regulatory Scrunity Board’). O CCR é um órgão independente e não eleito, composto por 7 membros, que é responsável por realizar um controlo de qualidade independente e objetivo das propostas legislativas e uma avaliação do seu impacto. Por o parecer ter sido, por duas vezes, negativo, a proposta legislativa só poderá avançar com o apoio da Vice Presidente das Relações Interinstitucionais e Prospetiva, que terá de a apresentar ao Colégio dos Comissários para aprovação (6).

No dia 8 de dezembro, 47 organizações da sociedade civil escreveram uma carta (7) a Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, expressando o seu desagrado pelo atraso na divulgação da proposta de Diretiva, que era esperada na primeira quinzena de dezembro, já depois de ter sido adiada duas vezes.

Nesta carta, os signatários enfatizam que a nova Diretiva ‘pode ajudar milhões de pessoas a exigir justiça contra violações dos direitos humanos e salvaguardar o nosso ambiente e o clima’, pelo que as implicações do atraso não são apenas administrativas, mas também se traduzem na perpetuação da existência de abusos por parte das empresas em matérias de trabalho forçado, desigualdade de género, desastres ambientais, etc., bem como na dificuldade das vítimas as responsabilizarem através de ações cíveis.

Realçam ainda que vários Estados Membros já estão a avançar com legislações nacionais sobre estas matérias, pelo que há uma necessidade premente de ação por parte da Comissão Europeia, de modo a assegurar a segurança jurídica e igualdade de condições para todas as empresas que operam no mercado único, tal como defendido por Claudia Saller, Diretora da European Coalition for Corporate Justice (8).

Nesse sentido, os signatários exigem que a Comissão seja transparente relativamente às razões do terceiro atraso e ao processo de tomada de decisão em curso e que apresente, sem demoras, uma proposta de legislação que assegure a coerência do quadro jurídico europeu no que toca à responsabilidade das empresas. Como referido por membros do grupo Social e Democrata, ‘tornar as empresas mais responsáveis e mais sustentáveis é uma questão de urgência’ (9).

Adicionalmente, no dia 15 de dezembro, especialistas e líderes de business & human rights emitiram uma declaração conjunta à Presidente von der Leyen e à Comissão Europeia sobre este atraso (10) com o objetivo de que ‘esta legislação essencial não seja congelada indefinidamente’. Nela reforçam a essencialidade da proposta para conseguir uma transição justa para a neutralidade carbónica, bem como os pontos essenciais a incluir, nomeadamente:

(i) Um forte regime de responsabilidade civil que garanta o acesso à reparação de danos por parte das vítimas;

(ii) O envolvimento eficaz e seguro de todas as partes interessadas;

(iii) A cobertura de todas as empresas que operam no mercado interno, independentemente da sua dimensão e setor, e respetivas cadeias globais de valor;

(iv) Requisitos obrigatórios que vão além dos exercícios de tick the box e auditoria, impondo estruturas apropriadas de governação e responsabilidade;

(v) Proteção de todos os direitos humanos e normas ambientais internacionalmente reconhecidos, e obrigação de as empresas reduzirem e serem responsabilizadas pelos seus impactos nas alterações climáticas.

Referem ainda que, desde o início de 2020, o Business & Human Rights Resource Centre contactou com 500 casos de abusos de direitos humanos por parte de empresas europeias ocorridos fora da Europa, o que demonstra a urgência da introdução de medidas não voluntárias para as empresas no que toca à diligência devida.

Também no dia 15 de dezembro, os eurodeputados Lara Wolters, Heidi Hautala, Manon Aubry e Pascal Durand, com base no Regulamento (CE) n.º 1049/2001 (11), solicitaram à Comissão o acesso aos 2 pareceres do CCR, às comunicações trocadas entre o CCR e as partes interessadas e à lista de todas as reuniões em que o CCR participou em relação à iniciativa de Governação Sustentável das Empresas (12). Apesar de se tratarem de documentos para uso interno da Comissão, o acesso aos mesmos pode ser concedido ‘quando um interesse público superior imponha a divulgação’ (13), o que defendem existir no caso concreto, dadas as dúvidas existentes quanto à objetividade e integridade do CCR e à transparência do processo. Estas dúvidas surgem, essencialmente, das declarações dos lobbies da indústria a agradecer ao CCR pelo adiamento da proposta legislativa, sem que haja informação de terem sido realizadas reuniões entre eles e o CCR nos últimos 12 meses. Por outro lado, os eurodeputados frisam a importância de assegurar que os co-legisladores e as partes interessadas estejam em pé de igualdade e que nenhuma das partes desfrute de acesso privilegiado à informação.

Na resposta ao pedido de acesso, datada de 20 de dezembro (14), a Presidente von der Leyen agradeceu ao Grupo de Trabalho de Conduta Empresarial Responsável do Parlamento Europeu pelo seu trabalho e esclareceu que tanto o contributo do Parlamento Europeu como as respostas obtidas através da consulta pública estão a ser examinados, sendo ainda necessário realizar uma rigorosa avaliação do impacto da iniciativa, bem como da sua proporcionalidade. Segundo o que consta da resposta, a proposta será apresentada aos co-legisladores o mais rapidamente possível. No entanto, não se pronunciou quanto ao acesso aos documentos.

No mesmo dia, 8 organizações enviaram outra carta à Presidente von der Leyen (15), igualmente expressando a sua preocupação pelo atraso da proposta legislativa e pela falta de informação que o justifique. Os signatários focam a necessidade de assegurar o envolvimento dos diretores das empresas na supervisão de uma estratégia empresarial de longo prazo que seja sustentável a nível financeiro, social e ambiental e coerente com os compromissos da União Europeia em matéria ambiental e climática. Reforçam ainda que o papel das empresas é fundamental para cumprir os objetivos do EU Green Deal de criação de um sistema mais justo, equitativo e ambientalmente responsável.

Felizmente, o Parlamento francês já aprovou por unanimidade uma resolução que visa incluir a adoção de legislação ambiciosa relativa à diligência devida obrigatória em matéria ambiental e de direitos humanos entre as prioridades da Presidência Francesa do Conselho da União Europeia, que teve início no dia 1 de janeiro de 2022 (16).

 

Referências bibliográficas:

(1) Disponível em https://vimeo.com/413525229.

(2) Página sobre a iniciativa legislativa relativa à Governação Sustentável das Empresas no site oficial da Comissão Europeia, disponível em https://ec.europa.eu/info/law/better-regulation/have-your-say/initiatives/12548-Governacao-sustentavel-das-empresas_pt.

(3) Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de março de 2021, que contém recomendações à Comissão sobre o dever de diligência das empresas e a responsabilidade empresarial (2020/2129(INL)), disponível em https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/JURI-PR-657191_PT.pdf.

(4) Página sobre a consulta pública da iniciativa legislativa relativa à Governação Sustentável das Empresas no site oficial da Comissão Europeia, disponível em https://ec.europa.eu/info/law/better-regulation/have-your-say/initiatives/12548-Sustainable-corporate-governance/public-consultation_pt.

(5) ‘Investor Statement in Support of Mandated Human Rights and Environmental Due Diligence in the European Union’ da Investor Alliance for Human Rights, disponível, em inglês, em https://investorsforhumanrights.org/sites/default/files/attachments/2021-10/Investor%20Statement%20mHREDD%20FINAL%206%20October%202021.pdf.

(6) Página sobre o Comité de Controlo da Regulamentação no site oficial da Comissão Europeia, disponível em https://ec.europa.eu/info/law/law-making-process/regulatory-scrutiny-board_pt.

(7) ‘Open letter to President Von der Leyen: It is time for you to show leadership on the Sustainable Corporate Governance initiative’, disponível, em inglês, em https://corporatejustice.org/wp-content/uploads/2021/12/Open-letter-to-President-VDL-on-SCG-Delay.pdf.

(8) ‘NGOs ask von der Leyen to intervene on delayed corporate human rights law’ no blog do Business & Human Rights Resource Centre, disponível, em inglês, em https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/ngos-ask-von-der-leyen-to-intervene-on-delayed-corporate-human-rights-law/.

(9) ‘MEPs urge Commission to come forward with Corporate Due Diligence Proposal’ no blog do Business & Human Rights Resource Centre, disponível, em inglês, em https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/meps-urge-commission-to-come-forward-with-corporate-due-diligence-proposal/.

(10) ‘Joint statement on delay to EC’s Sustainable Corporate Governance initiative’, disponível, em inglês, em https://media.business-humanrights.org/media/documents/Joint_Statement_on_delay_to_EC_SCG_proposal_Dec_2021.pdf.

(11) Regulamento (CE) n.º 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32001R1049&from=PT.

(12) ‘Access to documents request regarding the Commission Proposal on Sustainable Corporate Governance and the role of the Regulatory Scrutiny Board’, disponível, em inglês, em https://responsiblebusinessconduct.eu/wp/wp-content/uploads/2021/12/MEP-Access-to-Documents-Request-on-RSB-opinion-SCG-1.pdf.

(13) Artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1049/2001.

(14) ‘President von der Leyen reply to MEPs on Access to Justice’ no blog do European Parliament Working Group on Responsible Business Conduct, disponível, em inglês, em https://responsiblebusinessconduct.eu/wp/2021/12/21/president-von-der-leyen-reply-to-meps-on-access-to-justice/.

(15) ‘Open Letter: Risking Effective Sustainable Corporate Governance’, disponível, em inglês, em https://fairtrade-advocacy.org/wp-content/uploads/2021/12/Open-Letter-Risking-Effective-Sustainable-Corporate-Governance.pdf.

(16) ‘French Parliament passes resolution aimed at including the adoption of EU-wide legislation among priorities of upcoming Presidency of the EU Council’ no blog do Business & Human Rights Resource Centre, disponível, em inglês, em https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/french-parliament-passes-resolution-aimed-at-including-the-adoption-of-eu-wide-legislation-among-priorities-of-upcoming-presidency-of-the-eu-council/

 

Citação sugerida: S. Pacheco, ‘Para quando a Diretiva de Governação Sustentável das Empresas?’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 10 de Janeiro 2022.