🇵🇹 O caminho para uma União Europeia mais verde e Finanças mais sustentáveis

Sobre a autora: Ana Duarte é aluna do Mestrado em Direito e Gestão da NOVA School of Law. É licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e frequentou uma Pós-Graduação Avançada em Direito Societário. Desde 2020 que faz parte da equipa de Projectos Educativos da HeForShe Lisboa e tem vindo a trabalhar em projectos relacionados com a igualdade de género, como “WeForEducation” e “Mentoring The Future”. Para além disto, a Ana tem como principais áreas de interesse as áreas de Responsabilidade Social das Empresas e Finanças Empresariais Sustentáveis.

 

 

Nos últimos anos, a questão ambiental tem sido um tema essencial nas discussões políticas, económicas e sociais. Compreende-se, hoje, que o modelo económico subsistente é o resultado de um pensamento que não acolhia, nem refletia preocupações sobre a escassez dos recursos naturais (1) e outros tantos problemas associados à produção em massa e ao consumo desenfreado. Com o desenvolvimento, na sociedade, de uma maior consciência social e ambiental seria expectável o contágio destas preocupações ao mundo financeiro e empresarial. Neste sentido, a palavra “sustentabilidade” tem sido implementada no vocabulário de Corporate Governance e Corporate Finance, representando uma abordagem necessária que nos faz acreditar que a visão do “business as usual” encontra-se ultrapassada.

Quando falamos de finanças sustentáveis falamos de critérios de sustentabilidade, mais precisamente na inclusão de fatores ambientais, sociais e de governação societária (“ESG”) em modelos empresariais e/ou decisões do setor público e privado. Deste conceito podemos partir para o de Sustainable Corporate Finance. O autor ALOY SOPPE aborda esta definição e apresenta as seguintes características distintivas. No que diz respeito aos objetivos das empresas, este refere que assentam na otimização, a longo prazo, de variáveis não só financeiras, mas também sociais e ambientais. Ao que se soma uma política financeira direcionada para a sustentabilidade e preocupada com as gerações futuras. Além disso, um quadro ético assente na virtude e na integração de valores sociais e ambientais. Quanto à natureza dos agentes económicos, segundo o autor, estes surgem como seres racionais que visam a cooperação e a confiança, procurando que o seu consumo tenha uma utilidade multidimensional (2). O surgimento destes conceitos associados à sustentabilidade, trazem consigo também a discussão e reflexão junto da sociedade, mas, acima de tudo, abrem espaço à adoção de políticas e medidas que vão ao encontro das preocupações atuais.

A União Europeia (UE) tem sido um agente ativo na luta contra as alterações climáticas, querendo até 2050, ser o primeiro continente a atingir a neutralidade carbónica. Este é um objetivo ambicioso, que requer medidas eficazes e o empenho dos demais agentes envolvidos. Foi com esta visão que, em 2019, foi apresentado o Pacto Ecológico Europeu (3), que representa uma “linha verde” que liga todas as medidas e atividades da União Europeia rumo a uma economia mais sustentável. No entanto, outros importantes avanços já haviam sido dados na UE, especialmente no que diz respeito às finanças sustentáveis. Em 2016 a Comissão Europeia estabeleceu a criação de um grupo de peritos em finanças sustentáveis, na comunicação “União dos Mercados de Capitais – Acelerar o processo de reformas”(4). Este tinha como missão aconselhar a Comissão na orientação dos fluxos de capital (público e privado) para investimentos que fossem sustentáveis; na identificação das medidas de proteção do sistema financeiro contra riscos associados ao ambiente que instituições financeiras e supervisores deveriam tomar; na aplicação de políticas, programas e legislação em todas as nações europeias. As recomendações destes peritos criaram as bases para o Plano de Ação direcionado para o financiamento de um crescimento sustentável (5). Este Plano tem três grandes focos: reorientar os fluxos de capital para uma economia mais sustentável; integrar a sustentabilidade na gestão dos riscos e promover a transparência e a visão a longo prazo. Este Plano estabelece assim uma estratégia dinâmica, que visa conectar as finanças à sustentabilidade. Cumpre-nos, agora, abordar algumas das medidas previstas e que consideramos de extrema importância.

A criação de uma taxonomia na União Europeia é uma das medidas inovadoras e com grandes impactos. Esta trata-se de um sistema de classificação, que estabelece uma lista de atividades económicas sustentáveis. Esta permite-nos: ter acesso a definições relevantes enquanto nos fornece um conhecimento mais detalhado e uma linguagem comum a todos; criar uma maior segurança junto dos investidores privados, evitando algumas situações de “greenwashing”; e, ainda, incentivar o investimento “green”. Em junho de 2020, a Comissão Europeia publicou o Regulamento (UE) 2020/852(6), que diz respeito ao estabelecimento de um regime que promova o investimento sustentável. Este regulamento é aplicável a participantes no mercado financeiro que disponibilizem produtos financeiros; a empresas que estão sujeitas à publicação de uma declaração não financeira ou uma declaração consolidada não financeira (artigos 19a e 29a da Diretiva 2013/34/UE (7)); e, às medidas adotadas pelos Estados-Membros ou pela UE, que estabeleçam requisitos para os participantes no mercado financeiro ou emitentes, relativamente a produtos financeiros ou obrigações de empresas disponibilizados como ambientalmente sustentáveis (8). É ainda definida como atividade económica ambientalmente sustentável aquela que contribui substancialmente para objetivos ambientais; não prejudica significativamente esses mesmos objetivos; cumpre com medidas e salvaguardas em matéria de governação; e, cumpre com critérios técnicos de controlo (9). Em suma, este novo regulamento visa alterar o Regulamento (UE) 2019/2088 (10), sobre a divulgação de informações quanto à sustentabilidade no setor dos serviços financeiras e incentivar uma maior sustentabilidade ambiental nesse mesmo setor.

O grupo técnico de peritos em finanças sustentáveis, estabelecido pela Comissão Europeia, publicou em junho de 2019 o “Report on EU Green Bond Standard(11). Este surge após a publicação de um relatório provisório (12), em março de 2019, de consulta pública e que recebeu cerca de 104 respostas de stakeholders. O feedback recebido foi analisado e contribuiu para melhorar alguns aspetos, mas de um modo geral a ideia de criar um EU Green Bond Standard foi recebida de uma forma positiva. Assim, surgiu o relatório final que se trata de uma proposta à Comissão para a criação de um EU Green Bond Standard (EU – GBS) que fosse um padrão voluntário e não legislativo que pudesse aumentar a transparência e credibilidade das obrigações verdes no mercado. Desta forma, também seria possível encorajar à emissão e ao investimento nos green bonds, trazendo mais eficácia a este produto. Este relatório fornece também orientações para a Comissão Europeia, inclusive a de criarem um regime de acreditação centralizado para a verificação externa dos green bonds e a de conceberem incentivos baseados nos EU – GBS para o crescimento de instrumentos financeiros sustentáveis Em março de 2020, surgiu o “Usability Guide EU Green Bond Standard” (13) que pretende ajudar potenciais emitentes, investidores e verificadores. Este guia funciona como uma ferramenta que os emitentes podem escolher adotar e que se baseia naquilo que são as melhores práticas do mercado (como os Green Bond Principles e o Climate Bonds Standard). O modelo proposto estabelece quatro principais componentes: o alinhamento do uso dos rendimentos com a taxonomia da União Europeia; o conteúdo do quadro da obrigação verde ser produzido pelo emitente; existir o relatório da alocação e do impacto, que é requerido; e os requisitos para uma verificação externa por um verificador aprovado. Em suma, o pretendido é reorientar os fluxos de capital para o investimento sustentável e criar uma base forte para que se permita essa reorientação.  Os green bonds parecem estar no centro das atenções, especialmente com a notícia de que, em 2021, a dívida verde passará a integrar os ativos elegíveis pelo Banco Central Europeu (14). Mais ainda, com o facto da Comissão Europeia ter anunciado a emissão de 225 mil milhões de euros em dívida verde para financiar o Fundo de Recuperação Europeu (15). O stantard da UE poderá funcionar como um incentivo ao investimento e financiamento sustentáveis enquanto contribuí para uma maior segurança em matéria de produtos financeiros verdes.

Para além das medidas anunciadas acima, está em marcha uma revisão da Diretiva 2014/95/UE (16) sobre Relatórios não-financeiros, que visa uma maior transparência. Este objetivo é essencial não só para identificar possíveis problemas, mas também para promover a confiança dos consumidores e dos investidores. Com esta revisão, a UE quer que as partes interessadas tenham mais acesso a informação, enquanto as empresas desenvolvem uma abordagem mais responsável nas suas atividades, com obrigações não excessivas de apresentação de relatórios.

A questão que fica é: como é que tudo isto vai mudar as empresas e o setor financeiro na União Europeia? As empresas sofrem, hoje, mais pressão por parte dos consumidores, dos investidores, das ONG’s e dos meios de comunicação social para fazerem os seus negócios de forma sustentável. Para além deste facto, temos o compromisso da União Europeia em atingir metas muito bem delineadas no que toca à sustentabilidade, que passam inclusive por reconhecer que as empresas têm a sua quota-parte de responsabilidade nas alterações climáticas e que o setor financeiro deverá ser um aliado na sustentabilidade. O percurso para uma União Europeia mais verde poderá ser longo, mas a mudança parece estar a acontecer.

 

 

Referências:

COMISSÃO EUROPEIA, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Pacto Ecológico Europeu, dezembro de 2019. Disponível em:<https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1596443911913&uri=CELEX:52019DC0640#document2>.

COMISSÃO EUROPEIA, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social europeu e ao Comité das Regiões – União dos Mercados de Capitais: Acelerar o processo de reformas, setembro de 2016. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52016DC0601&from=PT>.

COMISSÃO EUROPEIA, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho.

EU TECHNICAL EXPERT GROUP ON SUSTAINABLE FINANCE, Report of the Technical Expert Group (TEG) subgroup on Green Bond Standard – Proposal for an EU Green Bond Standard – Interim Report, março de 2019. Disponível em: <https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/business_

economy_euro/banking_and_finance/documents/190306-sustainable-finance-teg-interim-report-green-bond-standard_en_0.pdf>.

EU TECHNICAL EXPERT GROUP ON SUSTAINABLE FINANCE, TEG Report – Proposal for an EU GREEN BOND STANDARD, junho de 2019. Disponível em: <https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/business_economy_euro/banking_and_finance/

documents/190618-sustainable-finance-teg-report-green-bond-standard_en.pdf>.

EU TECHNICAL EXPERT GROUP ON SUSTAINABLE FINANCE, Usability Guide – TEG Proposal for an EU GREEN BOND STANDARD, março de 2020. Disponível em: <https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/business_economy_euro/banking_

and_finance/documents/200309-sustainable-finance-teg-green-bond-standard-usability-guide_en.pdf>.

Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Plano de Ação: Financiar um crescimento sustentável, março de 2018. Disponível em: < https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52018DC0097&from=EN>.

FERREIRA, L. M., BCE passa a aceitar dívida sustentável a partir de 2021, Eco Sapo, 22 de setembro de 2020. Disponível em: <https://eco.sapo.pt/2020/09/22/bce-passa-a-aceitar-divida-sustentavel-a-partir-de-2021/>.

FINANCIAL STABILITY, FINANCIAL SERVICES AND CAPITAL MARKETS UNION, Renewed sustainable finance strategy and implementation of the action plan on financing sustainable growth, 8 de Março de 2018. Disponível em: <https://ec.europa.eu/info/publications/sustainable-finance-renewed-strategy_en>.

SCHOENMAKER, D. & SCHRAMADE, W., Principles of Sustainable Finance, Oxford: Oxford University Press, 2019. ISBN 9780198826606.

SOPPE, A., Sustainable Corporate Finance in: Journal of Business Ethics, vol. 3 n. ºs 1-2, Agosto 2004, Kluwer Academic Publishers, págs. 213-224. DOI: 10.1023/B:BUSI.0000039410.18373.12.

VARZIM, T., 30% do Fundo de Recuperação europeu será financiado com green bonds, Eco Sapo, 16 de setembro de 2020. Disponível em: < https://eco.sapo.pt/2020/09/16/30-do-fundo-de-recuperacao-europeu-sera-financiado-com-green-bonds/>.

 

 

Notas de rodapé:

  1. DIRK SCHOENMAKER & WILLEM SCHRAMADE, Principles of Sustainable Finance, Oxford: Oxford University Press, 2019, pág. 4.
  2. ALOY SOPPE, Sustainable Corporate Finance in: Journal of Business Ethics, vol. 3 n. ºs 1-2, Agosto 2004, Kluwer Academic Publishers, pág. 221.
  3. Cf. COMISSÃO EUROPEIA, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Pacto Ecológico Europeu, dezembro de 2019.
  4. Cf. COMISSÃO EUROPEIA, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social europeu e ao Comité das Regiões – União dos Mercados de Capitais: Acelerar o processo de reformas, setembro de 2016.
  5. Cf. COMISSÃO EUROPEIA, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho
    Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Plano de Ação: Financiar um crescimento sustentável, março de 2018.
  6. Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de junho de 2020.
  7. Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013.
  8. Artigo 1 n.º 2 do Regulamento (UE) 2020/852.
  9. Artigo 3 do Regulamento (UE) 2020/852.
  10. Regulamento (UE) 2019/2088 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de novembro de 2019.
  11. Cf. EU TECHNICAL EXPERT GROUP ON SUSTAINABLE FINANCE, TEG Report – Proposal for an EU GREEN BOND STANDARD, junho de 2019.
  12. EU TECHNICAL EXPERT GROUP ON SUSTAINABLE FINANCE, Report of the Technical Expert Group (TEG) subgroup on Green Bond Standard – Proposal for an EU Green Bond Standard – Interim Report, março de 2019.
  13. EU TECHNICAL EXPERT GROUP ON SUSTAINABLE FINANCE, Usability Guide – TEG Proposal for an EU GREEN BOND STANDARD, março de 2020.
  14. LEONOR MATEUS FERREIRA, BCE passa a aceitar dívida sustentável a partir de 2021, Eco Sapo, 22 de setembro de 2020.
  15. TIAGO VARZIM, 30% do Fundo de Recuperação europeu será financiado com green bonds, Eco Sapo, 16 de setembro de 2020.
  16. Diretiva 2014/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2014.

 

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Citação sugerida: A. Duarte “O caminho para uma União Europeia mais verde e Finanças mais sustentáveis”, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 10 Março 2021.

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