Luís Prata e Castro

🇵🇹 Proibição de Produtos Fabricados com Trabalho Forçado: due diligence de trabalho forçado como um novo standard?

Sobre o autor: Luís Prata e Castro é Business Development Specialist na Vieira de Almeida, Mestrando em Direito e Gestão na NOVA School of Law e licenciado pela Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Luís é Investigador Associado do NOVA Knowledge Centre on Business, Human Rights and the Environment em due diligence de direitos humanos e ambiente, sustentabilidade e transição justa.

 

 

A regulamentação de temas e temáticas ligadas a sustentabilidade e ESG mantém-se na ordem do dia, com o acordo atingido entre o Conselho Europeu e o Parlamento para o novo regulamento relativo ao trabalho forçado no dia 5 de março de 2024, tendo já o Conselho aprovado o texto final no dia 13 de março de 2024.

Em 14 de setembro de 2022, a Comissão Europeia publicou a proposta de Regulamento sobre o Trabalho Forçado para proibir a colocação e disponibilização no mercado, incluindo a importação e exportação de produtos fabricados com trabalho forçado no mercado da União Europeia (EU), sendo essa proibição dirigida a todo o tipo de produtos, dos diversos setores e indústrias. A Comissão apresentou esta proposta com o fundamento no grande número de pessoas sujeitas a trabalho forçado, que se estima em 27.6 milhões, tanto pela economia privada como por algumas entidades estatais de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável têm como um dos objetivos primordiais a erradicação do trabalho forçado até 2030, assentando, portanto, a proposta em normas internacionais e complementa as iniciativas horizontais e sectoriais existentes na UE, como a diligência devida baseada no dever de diligência em matéria de sustentabilidade das empresas (CS3D) e na Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD), sendo aqui regulamentada a proibição do trabalho forçado. A presente proposta complementa o quadro regulamentar da UE, tal como está abrangido pelo projeto de diretiva CS3D, uma vez que este regulamento implica a necessidade de efetuar o dever de diligência em relação ao trabalho forçado e a CS3D abrange esses impactos. Difere da CS3D pelo facto de a CS3D incluir sanções por incumprimento, mas não exigir que os Estados-Membros proíbam a colocação e disponibilização de qualquer produto no mercado, ao contrário do Regulamento. Os United Nations Guiding Principles on Business and Human Rights( UNGP) são princípios orientadores voluntários no âmbito de empresas e direitos humanos,  adotados pelo Conselho de Direitos Humanos  das Nações Unidas em 2011. Implementam o quadro de “proteção, respeito e reparação” da ONU no âmbito dos direitos humanos, tendo os estados um dever de proteção dos direitos humanos, as empresas o dever de respeitar esses mesmos deveres e orientando ainda o acesso à reparação pelos lesados por impactos adversos de direitos humanos. Já os OECD Guidelines on Multinacional Enterprises on Business and Human Rights consistem em recomendações endereçadas conjuntamente pelos governos a empresas multinacionais de forma a estimular a contribuição para o desenvolvimento sustentável e a resolução dos impactos adversos de direitos humanos associados à atividade empresarial. Os OECD Guidelines são implementados através de pontos de contacto nacionais, estabelecidos pelos governos para assegurar maior eficácia destas recomendações. Ambos definem a realização de diligência devida (DD), nomeadamente a trabalho forçado como uma forma de permitir às empresas avaliar e endereçar os riscos, prevenir e remediar atuais ou potenciais impactos adversos de direitos humanos e ambiente, vindo esta proposta de regulamento vincular as empresas à sua realização.

 

O que é o trabalho forçado?

O regulamento define trabalho forçado como “trabalho forçado ou compulsório”, o que inclui o trabalho infantil e remete para a Convenção em trabalho forçado da OIT. A definição está alinhada com a constante no artigo 2º da Convenção da OIT que considera “trabalho forçado ou obrigatório” todo o trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para a qual não se tenha oferecido espontaneamente e inclui ainda o trabalho infantil forçado, privando-a da sua liberdade. A CS3D não define trabalho forçado no artigo 3.º, porém remete para as convenções e tratadas no âmbito de impactos adversos nos direitos humanos, em que se insere o trabalho forçado. O draft inclui ainda o conceito de trabalho forçado imposto por entidades estatais tendo como base o artigo 1º da Convenção para a Abolição do Trabalho Forçado de 1957 (Nº 105) da OIT, de forma a abarcar todas as situações de trabalho forçado e ter em conta todos os tipos de escravatura moderna.

 

Quais são os objetivos?

O presente regulamento tem por objetivo erradicar do mercado da UE os produtos que recorrem ao trabalho forçado e ao trabalho infantil, trabalho este que pode ser encontrando nas cadeias de fornecimento em qualquer lugar no mundo. Tem ainda como objetivo proteger o mercado e as empresas da UE contra a concorrência ilegal, uma vez que os custos sociais e humanos da utilização de trabalho forçado não são repercutidos nos preços dos produtos, tornando-os ilegalmente competitivos. Além disso, o quadro jurídico da UE há muito que proíbe o trabalho forçado, como é o caso da Carta dos Direitos Fundamentais da UE. Esta proibição de colocação no mercado de produtos produzidos com incorporação de mão de obra forçada permite completar o quadro legislativo da EU e garantir que as empresas da união se guiam por uma conduta empresarial responsável, ao eliminar o trabalho forçado das cadeias de fornecimento da EU tendo como fim a promoção do trabalho digno e contribuição para a erradicação do trabalho infantil. Esta proibição tem ainda como fim promover uma conduta empresarial responsável, que respeita os direitos humanos e o ambiente. Esta proibição é passível de contribuir para a erradicação de trabalho forçado e de proteger os direitos de trabalhadores e crianças, dando uma maior confiança aos consumidores de que os bens adquiridos são fabricados respeitando os direitos humanos. Para os negócios, a proposta pode aumentar a sustentabilidade social das suas operações enquanto aumenta a confiança e credibilidade dos mesmos perante os consumidores.

 

O que é diligência devida de trabalho forçado?

A DD tem como objetivo evitar causar ou contribuir para impactos adversos sobre as pessoas e ambiente e prevenir impactos adversos ligados às operações, produtos e serviços resultantes das relações comerciais pela empresa. Em relação ao trabalho forçado e produtos dele resultantes, a DD consiste num conjunto de passos para identificar e eliminar problemas de trabalho forçado nas cadeias de valor globais, que devem ser efetuados de forma continuada. Esta DD identifica os riscos de utilização de trabalho forçado nos produtos colocados no mercado da União ou exportados.  Este processo implica um conjunto de passos que se identificam como uma conduta empresarial responsável:

  • A criação de uma política de compromisso público;
  • A DD nos seus quatros passos: a avaliação dos atuais e potenciais impactos de direitos humanos e ambiente, a tomadas de decisões para abordar os impactos detetados, o registo da performance dessas medidas e a comunicação dessa performance;
  • A reparação, que consiste na criação de mecanismos de remediação e compensação aos lesados pelos impactos.

 

Qual pode ser o impacto para as empresas?

A presente proposta não tem limites quanto ao âmbito das empresas abrangidas, aplicando-se a todos os operadores económicos que coloquem e disponibilizem nos mercados da União ou exportem do mercado da União produtos fabricados com recurso a trabalho forçado. Isto inclui o fornecimento de um produto para distribuição, o que implica um grande número de empresas abrangidas pelo regulamento. O impacto será generalizado, pelo que as empresas devem estar sensibilizadas e preparar planos de ação relativos a direitos humanos e trabalho forçado. O regulamento não se aplicará à prestação de serviços. As empresas já abrangidas pela CS3D terão apenas de ter em conta a proibição de colocação no mercado, como consequência do regulamento, visto já terem de realizar due diligence de direitos humanos e ambiente. Os estados-membros serão responsáveis pela aplicação deste regulamento, estabelecendo sanções por incumprimento das obrigações incorridas por deteção de incorporação de trabalho forçado em produtos, sanções estas que devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Apenas bens estratégicos ou de importância crítica para a União poderão ser retidos até que as empresas eliminem o trabalho forçado da cadeia de fornecimento.

 

Colocação ou disponibilização no mercado?

A presente proposta pretende impedir a colocação ou disponibilização no mercado interno da UE de ou a sua exportação a partir da UE produtos fabricados com mão de obra forçada, criando um instrumento legal que afeta a política de trocas e exportação da EU. Essa colocação é considerada a primeira disponibilização de um produto no mercado da união.

Já a disponibilização no mercado consiste no fornecimento de um produto para distribuição, consumo ou utilização no mercado da União no âmbito de uma atividade comercial, a título oneroso ou gratuito. No caso de oferta do produto por meios de venda à distância, considera-se disponibilização no mercado quando a oferta de venda se destina a utilizadores da União.

 

Preocupação fundamentada?

As autoridades competentes, nas investigações preliminares a suspeitas de recurso mão-de-obra forçada devem adotar uma abordagem baseada no risco, tendo em conta as denúncias efetuadas por indivíduos, entidades ou associações sem personalidade jurídica, os indicadores de risco de trabalho forçado baseados em experiência de organizações internacionais, sociedade civil, empresas e prática de implementação de legislação da união neste tema. O recurso à base de dados “ Forced Labour Single Portal” a criar relativamente ao risco de trabalho forçado em áreas ou produtos, aliando-o à recolha de informação requerida pelas entidades competentes, relativamente às medidas a tomadas para identificar, prevenir, atenuar ou fazer cessar os riscos de trabalho forçado nas respetivas operações e cadeias de valor no que diz respeito aos produtos objeto de avaliação, permite avaliar a probabilidade de violação a proibição de incorporação de mão de obra forçada nos produtos. A Comissão irá criar uma lista de setores económicos determinados em áreas geográficas específicas onde se considera existir trabalho forçado imposto por entidades estatais, que constituirá um critério para a abertura de uma investigação. As investigações fora da UE serão lideradas pela Comissão, sendo os Estados-Membros responsáveis por liderar investigações dentro da EU. A decisão final será tomada pela entidade que lidera a investigação e será aplicável em todos os outros Estados-Membros.

 

Antecipar o cumprimento?

O cumprimento antecipado desta obrigação, especialmente para empresas visadas pela CSRD e CS3D cria sinergias e reduz os custos, dado que a DD em relação a trabalho forçado será exigida pela CS3D e a realização de DD no âmbito da CSRD, que exige o reporte de sustentabilidade, permite evitar uma duplicação de custos e garantir que as empresas que se antecipam obtenham uma vantagem competitiva com a recolha de métricas de sustentabilidade. A implementação de processos de DD de direitos humanos e ambiente deve ter em conta esta nova obrigação, de forma a tornar a recolha de informação, implementação de processos e políticas mais eficiente e que tenham em conta a necessidade de mudar o paradigma do complicance exigido para a busca de sinergias e de vantagem competitiva, sendo que as empresas obrigadas pela CS3D conseguem mais facilmente cumprir. Após a votação no Parlamento Europeu, prevista para abril de 2024, o novo regulamento será aplicável 3 anos após publicação.

 

 

Citação sugerida: L. P. Castro, ‘Proibição de Produtos Fabricados com Trabalho Forçado: due diligence de trabalho forçado como um novo standard?’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 14 de Março 2024

Categories