🇵🇹 A exploração de lítio na mina do Barroso: minimização de impacto?

Sobre a autora: Maria Miguel Oliveira da Silva é licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto e mestre e doutoranda em Direito na NOVA School of Law. Atualmente, é Assistente Convidada da NOVA School of Law, Investigadora Associada do NOVA Knowledge Centre for Business, Human Rights and the Environment e Assessora Jurídica do NOVA Consumer Lab. A sua investigação de doutoramento é financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

 

 

No passado mês de maio, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) deu luz verde à exploração de lítio na mina do Barroso, em Boticas (Vila Real). Apesar da contestação por parte de ambientalistas, de associações locais, da Câmara Municipal e da própria população, o projeto obteve, pela primeira vez em Portugal, uma DIA (declaração de impacto ambiental) favorável, ainda que sujeita à verificação das condições impostas pela Agência, nomeadamente quanto à proteção dos cursos de água, à salvaguarda da biodiversidade e à gestão de resíduos.

A discussão não é nova e prende-se essencialmente com a dimensão do custo-benefício que um projeto desta envergadura pode implicar, em primeiro lugar, para a comunidade local e, em segundo lugar, para o próprio meio ambiente.

Das conclusões do relator especial das Nações Unidas sobre direitos humanos e ambiente, David R. Boyd, que visitou Portugal em setembro de 2022, resultava já a existência de, entre outros, três pilares que merecem atenção redobrada pelo país: (i) controlo da qualidade do ar; (ii) gestão de resíduos; (iii) legislação robusta e eficaz para a ação climática e proteção da biodiversidade. Ora, pelo menos duas destas metas são diretamente visadas ao implementar-se um projeto que visa a exploração de uma mina de lítio, sobretudo se a céu aberto, sobretudo se numa região do Património Agrícola Mundial, assim classificado pela FAO.

Se a discussão não é nova, não deve também tornar-se cínica, sob pena de não se abordar o tema com a profundidade que se exige. O estabelecimento de negócios em torno das indústrias ligadas à exploração de lítio desempenha um papel relevante para a transição sustentável a que se assiste (sobretudo) na Europa, sendo útil ao desenvolvimento de baterias com expressiva capacidade de armazenamento, de particular utilidade aos veículos elétricos. Este aspeto encerra a clara virtualidade de promover o abandono da utilização permanente de combustíveis fósseis, afirmando-se como verdadeira alternativa para os consumidores no caminho da sustentabilidade.

No entanto, há que considerar dois fatores importantes no momento de se abraçar um projeto como o que a Savannah Lithium pretende implementar em Boticas. Sobretudo porque Portugal tem uma das maiores reservas de lítio da Europa. Em primeiro lugar, é imperativo fazer o confronto com os resultados que a exploração de lítio provocou já noutros locais do globo. A título de exemplo, veja-se a violação de direitos humanos dos povos indígenas junto das minas de lítio na Argentina e o respetivo impacto dessa exploração nas fontes de água locais. Em segundo lugar, e por outro lado, há que notar nas concessões a que a(s) empresa(s) ficarão obrigada(s) a prestar. Neste caso, entre outras, é apontada a proibição de captação de água do rio Covas, a definição de um período de desmatação fora da época de nidificação da avifauna, da reprodução do lobo ibérico e outras espécies, bem como a atribuição de compensações socioeconómicas (royalties devidos ao município de Boticas e a construção do Acesso Norte, visando melhorar os acessos da população).

Assim, se, por um lado, a exploração de lítio poderá de facto potenciar a transformação da mobilidade em Portugal, concedendo cidades mais verdes e energeticamente limpas, por outro, constitui uma indústria muito permeável à violação de direitos humanos, sobretudo pelas implicações ambientais que é suscetível de provocar no território. Se a circunstância de se consumirem bens provenientes de zonas onde os direitos humanos não são assegurados era já sobejamente censurável, não deve, pois, a réplica desse mesmo comportamento verificar-se em território luso. Além disso, se os retornos económicos de um projeto desta dimensão se afirmam de facto como muito relevantes para o desenvolvimento português, devem também por isso ser aplicados na minimização do impacto real de um projeto que é já à partida não desejado pela população local.

Neste sentido, perante a oportunidade de Portugal se estrear na exploração de lítio, que o faça, pelo menos, dignificando a sua própria Constituição: “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender” (artigo 66.º CRP).

 

 

Citação sugerida: M. M. O. da Silva, ‘A exploração de lítio na mina do Barroso: minimização de impacto?’, Nova Centre on Business, Human Rights and the Environment Blog, 12 de outubro 2023

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